Mulheres encontram força e desafiam preconceitos para realizar seus sonhos

Mãe solteira, professora, enfermeira e bombeira. Marília é ou não é uma mulher coragem? E a batalha de Simone? Como quem sofreu com preconceito se tornou uma cientista bem sucedida?

Nós vimos que “coragem” é uma palavra feminina, e que pode ter muitas faces e muitos nomes.

“Meu nome é Marília Fraia. Eu sou enfermeira, professora e bombeiro militar”, se apresenta.

A capitã Marília está pronta para mais uma missão no Rio de Janeiro. Uma outra face da coragem. Outra guerreira.
“Eu sou Simone, Simone Maia. Eu sou bióloga”, conta.

É também uma autoridade no Instituto Nacional do Câncer. Simone é uma citotecnologista. “Eu trabalho com estudo de células para detectar células de câncer, ou que possam virar câncer”, acrescenta. “Acho que é uma grande oportunidade para o pessoal saber desse trabalho importante que nós fazemos”.

Salvar vidas inclui missões que nem imaginamos. Vamos ver a de hoje para a capitã Marília. O Globo Repórter está no Centro do Rio, e de lá vai para a Tijuca, na Zona Norte. Lá vamos nós atrás dela. A capitã Marília foi chamada à casa de uma jovem mãe.
Juliana tem 19 anos. O filho, dois meses. Por que Juliana chamou a capitã Marília? “Eu tenho certeza que eu vou ajudar muita criança e muita mãe que têm dificuldade com amamentação, que não têm leite, ou criança prematura. É sempre bom você pensar que você está ajudando alguém”, conta Juliana Miguez Forte, estudante.

A capitã ela não conhecia. Então é esta a primeira tarefa de hoje da capitã Marília. Recolher a doação de leite materno. Em média, ela vai a 20 casas por dia. O Corpo de Bombeiros do Rio faz este serviço há 12 anos para um hospital-modelo: o Fernandes Figueira.

“Já pensou, que legal. Normalmente, os pais são os heróis. O pai, o homem. Você, como bombeira, você representa para o seu filho uma mãe, heroína. Geralmente as crianças não veem isso: a mãe como heroína”, diz Juliana para Marília.

“Eu não sei se eu vou ser a mulher maravilha do meu filho. Mas, hoje em dia, eu sou”, define a capitã.

Além de bombeira, a capitã Marília tem mais dois empregos. “Isso me fortalece, eu ter coragem para trabalhar, porque é para o bem do meu filho, para a educação do meu filho. Hoje ele fica mais tempo na creche do que comigo”, revelou Marilia Fraia, capitã do Corpo de Bombeiros.

Mãe solteira, professora, enfermeira e bombeira. Marília é ou não é uma mulher coragem?

E a batalha de Simone? Qual será?

“Quando eu percebi a história de preconceito, eu falei: ‘o que eu vou fazer?'”, lembra Simone Maia Evaristo, citotecnologista.
“A Simone assume tudo isso: preta, gorda, mulher”, revela bióloga Leda Küll.

“Eu sou negra, não vou ficar branca. Sou mulher, não vou virar homem. Sou gorda, não vou ficar, é minha característica. E pobre. Ou eu vou ficar em casa ou eu vou à luta. Que se dane a opinião dos outros”, desabafa Simone.

Como uma mulher assim se tornou uma cientista bem sucedida e professora respeitada pelos pesquisadores?

“Fiz sempre escola pública. Primário e ginásio, eu ganhei certificado da biblioteca porque eu li todos os livros da biblioteca”, lembra ela. “No último ano do segundo grau, como eu não tinha dinheiro nem nada, eu assisti Telecurso Segundo Grau. Assisti ao telecurso o dia inteiro. Aí fui prestar o vestibular. Tive uma nota ótima”.

Isso foi em 1985. “Assistia de manhã, anotava no caderno. Fiquei um ano fazendo isso. Era muito bom. Você aprende a raciocinar”, revelou.

“Admiro a Simone pela coragem dela”, elogia a amiga. “Eu já posso dizer: Simone é uma vencedora pelo fato de ela não temer absolutamente nada”.

“Nada é eternamente ruim. Mesmo quando acontece uma coisa ruim eu falo: ‘bom, eu vou ficar esperando uma coisa boa chegar, porque eu sei que vem'”, ensina Simone.

De onde vem tanta valentia? Fomos procurar. Simone tem 50 anos, vive com a mãe no Rio de Janeiro, e a casa é própria. O jardim, mais do que um orgulho para as duas, é um prêmio delicado para a sucessão de lutas e vitórias na vida.

“Enfrentar o preconceito. Sua filha está todo dia, toda hora, todo minuto enfrentando preconceitos, e indo em frente. A senhora ensinou isso?”, perguntou o repórter Edney Silvestre.

“Pois assim vamos levando a vida. Eu nem esquento. Se me chamarem de loura é que eu fico nervosa”, disse a mãe de Simone.
“As crianças gostam muito do jardim. Mas de vez em quando dizem assim: ‘você mora aí? Sua patroa está?’ Eles não acreditam que nós moramos aqui. ‘Mas você mora aí? É mentira, você mora aí mesmo'”, conta Simone.

Quantos enganos, e quantas conquistas. No retrato, uma imagem antiga da bombeira Marília. Essa Marília ficou para trás. Como está a Marília de hoje, depois da operação no estômago e depois de uma gravidez-relâmpago?

“Eu cheguei a pesar 110 quilos. Na verdade, eu perdi a metade de mim. De 110 quilos, eu perdi 58 quilos. Em um ano. Eu até pensava em ter filho, mas já era uma ideia remota na minha cabeça, porque quando a pessoa é obesa a chance de engravidar é bem menor. Então falei: ‘acho que vou ser titia mesmo, está muito bom, já tenho minhas crianças no hospital'”, conta Marilia.

As crianças são os pequenos pacientes do Hospital Pediátrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde Marília dá plantão na UTI. São noites e mais noites longe do próprio filho, dando conforto e carinho a meninos e meninas que sofrem.
A gravidez pegou Marília de surpresa: “O resultado positivo”, lembra. “Era Pedro Inácio. E tive a coragem de continuar a gravidez”.
Hoje, Pedro Inácio é o centro da vida da capitã Marília.

“Existe uma dificuldade em ser mãe e bombeira?”, perguntou Edney.

“Tem sim!”, responde ela. “Dói trabalhar de 7h às 19h, dali seguir para dar aula. E tiveram vezes que eu trabalhei nos Bombeiros, de 8h às 17h, daí eu já fui para o plantão. E retornar ao trabalho e só chegar em casa às 22h, às vezes não consigo ver meu filho durante dois dias. A reação do meu filho? Quando ele me vê, é só aquele sorriso estampado naquela linda face. Aquilo ali, para mim, valeu a pena.”

E os planos, Marília? “É cada dia ter um momento feliz na minha vida, um momento que me dê realização, tanto profissional quanto mãe, quanto mulher, quanto filha. Isso é que hoje em dia que me motiva. Estar o máximo possível perto do meu filho. Isso para mim é o mais importante hoje”.

E o que será mais importante para Simone agora? “Quando der para emagrecer, eu emagreço porque eu quero. Faço exame de sangue. Eu não tenho colesterol alto, não tenho glicose, não tenho nada”, diz ela.

São boas condições para levar os planos ainda mais longe. “Eu já conheci um pouco da Europa, da América Latina. Agora eu quero ir para a África, conhecer um pouquinho mais. Eu tenho essa necessidade de expandir. Acho que o mundo vai ser pequeno para mim”, completa.

E alguém duvida? “O mundo vai ser pequeno daqui a pouco”, corrige Simone.

O mundo vai ser pequeno para ela. Anotem aí. “Vai, vai ser pequeno”, confirma ela.

Fonte: Globo

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