Mulheres pretas que movimentam #10 – Silvana Bahia

Coordenadora de comunicação do Olabi, mestranda em Territorialidades na UFF, comunicadora do KBELA – filme mais babadeiro de 2015 – e AFROFLIX, o canal de produção audiovisual feito por pretas e pretos. Sil Bahia é a cara da comunicação (eu enquanto comunicadora me espelho nela ❤). Com uma sagacidade incrível e discutindo espaço e disputa de narrativa, ela nos mostra que lugar de preta é onde ela quiser.

por Karina Vieira no Meninas Black Power

MBP – Quem é você? 

Sil Bahia – Eu sou a Silvana Helena Gomes Bahia, mulher, negra, sonhadora, filha da Edinair e do Léo, irmã do Leozinho. Comunicadora social, curiosa, trabalhadora e em constante transformAÇÃO. Apaixonada por histórias, narrativas e pelas pessoas que encontro no caminho. Leonina com ascendente em áries e lua em sagitário.

 

MBP – Como se deu a descoberta da sua negritude? 

 

SB – Acho que a descoberta da minha negritude se deu desde que nasci. A minha relação com ela é que foi se transformando com o passar do tempo. Quando criança, quando era chamada de “macaca” por coleguinhas, tinha um lado meu que tudo que queria era não ser negra. Claro que eu não entendia e mal sabia o que era racismo nessa época. Só sabia que tinha uma coisa em mim que me fazia sentir “menor”. Por outro lado, na minha casa, meus pais sempre se preocuparam e cuidaram da minha autoestima. Mas era difícil. Na adolescência, quando entrava numa loja com minhas amigas brancas e elas eram atendidas e eu não, comecei a me ligar no por que isso acontecia. Sempre me relacionei bem com as pessoas e acreditava que todo mundo era “do bem” até que se provasse o contrário, mas o racismo e o machismo muitas vezes aparecem e são reproduzidos de formas sutis e não menos dolorosas, e às vezes por pessoas que gostamos, amamos. E é difícil se relacionar. A questão que percebo é que com maioria das pessoas negras, sobretudo mulheres negras, a gente demora um tempo para perceber essas “sutilezas”. Porém, uma vez que você percebe, que você olha de verdade para isso, nunca mais deixa passar batido. Só comecei a me sentir plenamente bem relacionada com a minha negritude (na alegria e na dor) quando acessei e tive contato com outras referências, com outras mulheres negras. Durante a faculdade o encontro com Denise Lima e Ricardo Brasil foram centrais na minha construção e entendimento de mim mesma enquanto mulher e negra. Estudava numa universidade particular, branca, tijucana, com as primeiras turmas de PROUNI. Ali, pela primeira vez entendi o que era aquilo que eu achava que não sabia o nome mas sabia: racismo. Conhecer mulheres incríveis como Jenyffer Nascimento e Alessandra Tavares e poder dividir dúvidas, construir e compartilhar vivências e experiências foram determinantes. A Literatura Marginal e a cena periférica de SP no começo de 2010 foram fundamentais nessa construção. De lá para cá, foram muitos aprendizados e pessoas importantes que me acompanham nesse caminho. Raika Julie e Thiago Ansel, dois grandes amigos e parceiros que conheci quando cheguei à Maré para um estágio no Observatório de Favelas, também foram e são super importantes nesse fase, sobretudo nas escolhas no campo profissional. Poderia citar muitos, mas finalizando aqui, e deixando bem escuro que essa descoberta é infinita. Estou sempre me relacionando com ela. Quero citar alguns amigos que colaboram e somam muito nessa construção e desconstrução: Ney Wellington Bahia, Bruno F. Duarte, Karina Vieira, Yasmin Thayná, Rodrigo Reduzino, Erika Cândido, Monique Rocco.

Foto: Andressa Lacerda
Foto: Andressa Lacerda

MBP – O que te levou a escolher a sua profissão?

 

SB – Quando criança eu quis ser tanta coisa que quando tive a oportunidade de entrar na universidade foi difícil escolher [risos]. Quis ser dentista, musicista, médica, artista. Tive algumas profissões antes de entrar na faculdade. A primeira delas foi babá, depois trabalhei em petshop, fui manicure, e nos empregos mais formais, de carteira assinada, já trabalhei como assistente administrativo e digitadora. Quando trabalhava como digitadora numa empresa grande, comecei a sacar que se quisesse ganhar mais, realizar todas as viagens que sonhava (nessa época eu só queria ganhar dinheiro para viajar), e o mais importante, fazer algo que tivesse sentido para minha existência, precisa estudar. Ficava me perguntando se seria digitadora à vida toda, porque não tinha muito sentido pra mim e mais tarde entendi que trabalho não tem que ser só para ganhar dinheiro para pagar as contas. A empresa que trabalhava pagava 50% da universidade apenas em alguns cursos. Incentivada por meu tio Ney, fui cursar a comunicação social com ênfase em jornalismo. Nunca sonhei em ser uma repórter brilhante, mas o jornalismo me ensinou muitas coisas. Mais tarde vi que não preciso estar apenas numa “caixinha”, que posso fazer muitas coisas dentro da comunicação e que esse é o campo que quero disputar. A comunicação tem muito a ver comigo e com as coisas que acredito. Primeiro porque meu trabalho me possibilita estar em contato com diversas pessoas, conhecendo e me relacionando; segundo por me dar a possibilidade de criar, construir e desconstruir novas (e velhas) narrativas sobre o mundo, sobre a mulher, sobre a negritude.

 

MBP – Como foi o caminho da sua graduação?

 

SB – Foi um desafio. Na metade do curso percebi que não tinha o perfil padrão do “jornalista” e que não era na maior empresa de comunicação do país o meu lugar. Foi frustrante demais, porque me sentia culpada por tanto investimento da mãe que sempre trabalhou muito para que a gente (meu irmão e eu) pudesse estudar – e a incerteza de conseguir um emprego, algo que me permitisse ser independente financeiramente, rondava meus pensamos durante os 4 anos que fiquei na universidade. Na época de procurar estágio fiz vários processos seletivos. Passava nas provas, mas sempre ficava nas entrevistas e não entendia como isso acontecia. Acho que estava procurando em lugares que não tinha a ver com o que eu queria mesmo, embora nem eu soubesse o que eu queria. Surgiu a oportunidade de trabalhar num projeto novo que estava começando, a Agência de Redes para a Juventude. Ali comecei a conhecer outras formas de trabalhar com comunicação e entendi que existia um campo enorme a ser explorado por mim no jornalismo social, ativista. No mesmo período passei para um estágio no Observatório de Favelas e nunca mais tive dúvidas sobre o que queria fazer da vida. A experiência na Maré durante quase 5 anos, as pessoas que conheci… Costumo dizer que a minha formação, formação profissional mesmo, aconteceu ali.

 

MBP – Quem são as pretas e pretos que te inspiram? 

 

SB – Ih são muitos! A primeira delas é minha mãe Edinair Gomes Leite, por toda a coragem, garra e capacidade de amar. É difícil listar todos os nomes, mas aqui vai: Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Karina Vieira, Raika Julie, Yasmin Thayná, Alessandra Tavares, Jenyffer Nascimento, Denise Lima, Elza Soares, Tássia Reis, Chimamanda, Jaciana Melquíades, todas as manas do Coletivo Meninas Black Power e as Mulheres de Pedra, Beyonce, Rihanna, Bell Hooks, Taisa Machado, Janaína Damaceno, Léo Bahia, Léo Bahia Filho, Ney Wellington Bahia, Bruno F. Duarte, Thiago Ansel, Rodrigo Reduzino, Paulo Rogério, com certeza estou esquecendo de muitas pessoas.

 

MBP – Quem é aquela mulher preta que você conhece e quer que o mundo conheça também?

 

SB – Todas essas que citei acima. [risos]

 

MBP – Na sua trajetória profissional o quanto avançamos e o que ainda temos que avançar?

 

SB – De verdade eu não sei tangibilizar os avanços e medir o quanto ainda temos que avançar. O que eu vejo é que temos muita luta pela frente. Avançamos sim e é importante olhar para isso. De várias formas sinto que contrariei muito as estáticas quando me percebo no individual, mas sei que essas conquistas não são apenas minhas. Não ando só. Carrego um monte de gente comigo e acredito nessa coletividade que tem como base o amor. Mas a luta não tem hora para acabar, e o nosso povo está ai, morrendo. Como que a gente avança nisso? Acho que a gente tem que aprender a cuidar da gente e dos nossos. A dimensão do cuidado, do afeto, do amor, salva muito e sinto que a gente cuidou demais dos outros, dos filhos dos outros e desaprendemos a cuidar de nós. Experimentar e estudar também é importante. E não me refiro a academia, a universidade apenas, simplesmente porque esse é apenas um dos caminhos e a gente tem que estar em muitos caminhos, nos que a gente quiser estar. Me refiro a busca de conhecimento em todos os âmbitos: sobre nós mesmos, sobre as coisas que comemos e ingerimos, sobre a história do povo negro, do Brasil, da África, na política, na cultura e em outras mil áreas. Resistir inventando. E para reinventar, remixar, a gente tem que conhecer as coisas e para conhecer a gente tem que estar bem.

 

MBP – Como você lida com a sua estética negra?

 

SB – Lido bem. Gosto de cuidar do cabelo e da pele. Nos últimos tempos estou fazendolow poo e gostando. Basicamente lavo os cabelos e passo um creme para pentear. Às vezes rola uma hidratação, nutrição e afins. Tenho muito que aprender sobre cuidado com os cabelos. Uso produtos que me indicam, vou testando e se gosto acabo usando mais. Sou viciada em creme hidratante. Gosto de me vestir com roupas confortáveis, misturando looks urbanos com tecidos mais tradicionais. Ah, e gosto de cores, muitas cores.

 

MBP – O que é representatividade pra você?

SB – Representatividade para mim é disputar sentido, criar referência, narrativa. O mundo em que vivemos é muito plural e cada vez mais a gente vai ter que lidar (ainda bem) com essa questão. Não vai dar para impor padrões goela abaixo sem alarde, sem luta!

 

Conheça o trabalho da Silvana Bahia:

 

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