Mulheres saúdam sanção da Lei do Estupro: Lufada de esperança

Nas duas últimas semanas a presidenta Dilma Rousseff  tomou duas decisões importantíssimas.

por Conceição Lemes

No dia 25 de julho, a pedido da CUT e outras sindicais e contra o desejo dos empresários, vetou o fim da multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) de trabalhadores demitidos sem justa causa. O Congresso Nacional havia aprovado a sua extinção.

Em 2 de agosto, Dilma sancionou sem vetos o projeto de lei 60/99, de  autoria da deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), aprovado unanimemente  no Senado e Câmara dos Deputados sob a referência PLC 3/2013 .

A Lei do Estupro, como ficou conhecida, dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Embora não altere em nada as normas que hoje regulam o atendimento à saúde das mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual, sofreu pesada campanha de grupos religiosos conservadores que pediram à presidenta o seu veto.

A decisão foi saudada por movimentos de mulheres, de saúde e feministas.

Ana Reis, médica, do Coletivo Feminista Manas Chicas: 

“A presidenta Dilma fez o que esperávamos dela. Cumpriu o juramento  feito,  no seu discurso de posse, de honrar as mulheres desse país.

Se a presidenta não sancionasse o PLC 03/2013, teria oficializado o Estado Teocrático. Pela primeira vez, ao que sabemos, uma decisão do Congresso,  um projeto de lei que ficou 14 anos (!) sendo discutido sofreria um veto, por motivos religiosos, através da Presidência da República.

A misoginia dos patriarcas eclesiais chega a este  ponto: o de querer negar assistência médica, psicológica, social e jurídica a meninas e mulheres vítimas de violência sexual. Ou seja, negar-lhes o acesso a direitos civis e humanos,quando essa mesma misoginia assume a sua face mais horrenda — a da violação dos corpos. Agem como verdadeiros talibispos. A chantagem eleitoral a que recorrem é demonstrativa de sua maneira antiética de se imiscuir na política.

O zelo que dizem ter pela “vida” nada mais é do que a biopolítica que sempre exerceram por meio da manipulação da legítima fé das pessoas. Desde os tempos inquisitoriais, não mudaram. Atualizam-se, através da disputa pelo discurso da bioética, como se vê no manual distribuído na Jornada Mundial da Juventude. Mas o território em que se firmam para exercer o poder é sempre o mesmo: os corpos das mulheres”.

Angela Freitas, comunicadora social, representante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) no Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro (Cedim-RJ):

“Hoje, temos hoje motivo para comemorar. Viva o Estado laico!”

Beatriz Galli, advogada, relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca e assessora de políticas para a América Latina do Ipas:

“A sanção do PLC 3/2013 é fundamental para a garantia dos direitos das mulheres e meninas em situação de violência sexual.

Esta medida ajuda a diminuir as resistências em relação à assistência médica nos serviços que hoje funcionam precariamente, colaborando para acabar com as recusas, omissões e as demais  barreiras no acesso das mulheres e meninas a saúde.

A nova lei dá maior respaldo jurídico para o trabalho dos profissionais de saúde. Esperamos que o próximo passo seja uma campanha de informação para a população em geral”.

Nina Madsen, socióloga e integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea):

“Têm sido escassos os nossos motivos de comemoração nos últimos tempos; raras as nossas oportunidades de exercitar o otimismo; menos e menos freqüente o sentimento de estarmos representadas por aquelas e aqueles nos quais votamos para nos representarem.

Na quinta-feira, porém, com a sanção integral do PLC 03/2013, algo novo parece ter brotado dos abundantes gramados da Esplanada dos Ministérios. Um sonoro e retumbante BASTA! Foi esse o grito que nos alcançou e nos encheu de alívio.

A sanção do PLC 03/2013 é uma lufada de esperança em meio a uma tempestade de absurdos que já parecia não ter fim.

Esperança de que a justiça social e os direitos humanos prevaleçam sobre o ranço misógino, racista e homofóbico que se instalou no país.

Esperança de que a vida, a dignidade e a autonomia das mulheres sejam respeitadas, garantidas e protegidas por nosso Estado (Laico!!!!!).

Esperança de que noss@s governantes tenham coragem de erguer suas vozes conosco para fazerem valer nossos direitos, os direitos de tod@s.

Esperança de que a história compartilhada entre movimentos e partidos, que construíram a democracia fundada nos direitos humanos nesse país, não seja esquecida nem renegada por oportunismos eleitorais.

A sanção do PLC 03/2013 nos diz que é sempre tempo de lutar e que nossa luta deve manter intacto e íntegro o seu sentido. Estamos lutando por nossas vidas, pelas vidas de todas as mulheres brasileiras. E não iremos retroceder.

Queremos entender essa decisão da Presidenta Dilma Roussef como um BASTA ao conservadorismo e ao oportunismo político. Um BASTA aos fundamentalismos. Um BASTA àqueles que pensam que a vida das mulheres não vale nada. Um BASTA à misoginia, ao racismo, à homofobia.

Esse é o grito engasgado que precisamos dar. É nosso grito de liberdade. É nossa possibilidade real e tangível de resgatar o sentido histórico e político da democracia que vimos construindo até aqui. Esperamos que, a partir daqui, ele ecoe e se amplifique em muitas, novas e velhas vozes. BASTA!!!

Sonia Corrêa,  pesquisadora associada da Abia e co-cordenadora do Obsevatório de Sexualidade e Política: 

“A presidenta Dilma fez o que tinha que ser feito. Não havia nenhuma justificativa sólida – técnica ou jurídica —  para não fazê-lo.

Resta saber se a sanção também vai significar a ampliação e melhoria da qualidade da rede de atenção às mulheres vítimas de violência pois, no  mundo da vida, é isso o que importa”.

 

Fonte: Viomundo

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