Mulonga Kiambe: afirmação de poder. Crianças e Famílias Quilombolas Afirmando o Poder de e para realização de seus direitos humanos

 

O Observatório Negro – organização integrante da Articulação Negra de Pernambuco – e o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF lançarão nesta sexta-feira (11/12/2009) o relatório Kiambe Kiatunda, energia vital em Kibundu, no auditório do Centro Cultural Rossini Alves Couto, do Ministério Público de Pernambuco.

 

A publicação é fruto do Projeto Mulonga Kiambe, realizado por meio de uma parceria entre o UNICEF e o Observatório Negro cujo objetivo foi promover a qualificação do Kit Família Brasileira Fortalecida, desenvolvido pelo UNICEF, para trabalhar com famílias quilombolas.

 

O Projeto teve duração de 4 meses (agosto a dezembro de 2008), com realização de 4 oficinas, sendo três na Comunidade Quilombolas de Conceição das Crioulas, sobre os temas: Identidade, Ações Afirmativas, Racismo Institucional e Saúde da População Negra;  e uma na Secretaria de Saúde do Município de Salgueiro com os profissionais de saúde do município, sobre Racismo Institucional e Saúde da População Negra.

 

Entre as oficinas realizadas na comunidade, também houve o momento de trabalho específico com as crianças, em que elas afirmaram o próprio conhecimento dos saberes tradicionais, indicando os meios de promoção da saúde associados com o respeito à natureza e reverência à ancestralidade. Além da oficina específica com as crianças, elas também estiveram presentes em todos os momentos de desenvolvimento do projeto, num processo de interação com os adultos participantes, numa relação de troca constante entre os mais velhos e os mais jovens que integram a comunidade, enaltecendo, assim os valores afro-brasileiros de civilidade.

 

MULONGA KIAMBE : afirmação da energia quilombola.

 

 

Este trabalho é o resultado da ação do UNICEF e da Kimberly Clark do Brasil, no período de agosto a dezembro de 2008, em parceria com a Prefeitura Municipal de Salgueiro, reconhecida com o Selo UNICEF nas edições 2005/2006 e 2007/2008, com a Associação Quilombola de Conceição das Crioulas e com a ONG Observatório Negro (executora do projeto), tendo como espaço de atuação a Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas, distante 40 km do município de Salgueiro, localizado no sertão de Pernambuco.

 

Conta a história oral que a comunidade foi fundada por 06 mulheres negras, que após chegarem a esse  local, receberam a visita um homem que trazia uma imagem de N. Sra. da Conceição. Vem daí a denominação de Conceição; e, por ter as mulheres negras como referência, tornou-se CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS. No início, a comunidade tinha como formas de  subsistência a plantação e o trabalho com o algodão.

 

Com o objetivo de “promover os direitos das crianças quilombolas e suas famílias”, o projeto teve como eixos de atuação:

– Formar reeditores quilombolas para o uso do Kit Família Brasileira Fortalecida (Kit FBF), um conjunto de cinco álbuns que tratam dos cuidados com a saúde da mulher no período da gravidez e da criança até os seis anos;

– Desenvolver capacidades municipais e familiares para garantir o acesso a serviços públicos de saúde e qualidade da atenção, de acordo com os marcos de direitos;

– Contribuir para a formação de profissionais de saúde do município, aportando conhecimentos que lhes permitam desenvolver habilidades de identificação, abordagem, combate e prevenção do Racismo Institucional na saúde, para a promoção de um atendimento respeitoso e sem discriminação às famílias quilombolas nos postos e unidades de saúde daquele município.

 

A metodologia escolhida pelo Observatório Negro privilegiou a relação da identidade quilombola, expressa durante as atividades, como identidade negra geradora de pertencimento social e de direitos iguais.  Seguindo este caminho, entendemos a realização deste projeto não como uma ação de inclusão, uma vez que tal conceito respalda o entendimento  de que há um espaço dado em que alguns são inclusos e outros são excluídos. Nesta  perspectiva, a totalidade é em si mesma contraditória e geradora de exclusão ao reproduzir em sua dinâmica a inclusão de determinados segmentos sociais como modelo gerador da exclusão de outros, utilizando-se dos fatores étnico-raciais, de gênero e de classe para a reprodução de desigualdades sociais. A transformação dessa realidade implica, no caso da população quilombola, no reconhecimento de sua condição de sujeito sócio-político partícipe da sociedade brasileira como uma ação que transforme a lógica da inclusão/exclusão construída historicamente. Não se trata, portanto, de uma ação direcionada a uma das partes considerada excluída, aqui entendida como ação remediadora.

 

Ao privilegiar a identidade negra em sua relação com a identidade quilombola, escolhemos como princípios norteadores deste trabalho os valores civilizatórios afro-brasileiros que estão centrados na matriz a cultura africana que tem como valores  centrais o forte sentido de coletividade e o sentimento de pertencimento desenvolvido pelos indivíduos. Percebemos, assim, que os princípios norteadores escolhidos trazem, em seu bojo, uma proposta de paradigma diferenciado. Parafraseando Aimé Césaire, nestes tempos de individualismo exacerbado, ser subversivo é a capacidade de passar do individual ao coletivo.

 

Compreendemos que o senso de coletividade, longe de nos diluir a consciência num amálgama grupal, serve antes como rota de afirmação de nossa individualidade. Paradoxalmente, é pelo pertencimento que nos tornamos únicos, na medida em que a memória coletiva detém as chaves da identidade, a qual, por sua vez, condiciona a nossa forma de ser, estar e agir no mundo.

 

 

É neste sentido que definimos este projeto como uma proposta de afirmação da forma quilombola de ser e estar no mundo. Afirmar vai além de incluir, pois não se trata de constituir direitos, mas de reconhecer direitos já há muito constituídos, de ampliar o olhar e a compreensão para “enxergar” que a realidade vai além dos limites com os quais nos acostumamos a lidar, e perceber todos os sujeitos que compõem uma ordem social bem mais ampla.

 

 

Mulonga Kiambe vem da língua kimbundo – ou língua de Angola, do grupo de famílias de línguas bantu. Pode ser traduzido como “afirmação de energia”, em seu significado mais literal, ou ampliando este significado, “afirmação de poder”. Nas palavras de Lepê Correia[1], “quando você faz a afirmação da energia, nesse caso você tem o poder de e para realizar o que quiser. Aí, filosoficamente, você está construindo o devir…”

 

Então, Mulonga Kiambe é uma afirmação da igualdade das comunidades quilombolas. Esperamos, com este projeto, contribuir para que esta igualdade se firme cada vez mais no devir.

 

Mabu kibuko! (Muita sorte!)

 

[1] Escritor e psicólogo negro.

 

Resposta: Kibuko Yeto! (Sorte a nossa!)

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