Multidão se despede de Augusto Omulú

“O negro segura a cabeça com a mão e chora, e chora sentindo a falta do rei…”. Os versos da canção “Brilho de Beleza”, de Negro Tenga, foram cantados pelas centenas de pessoas que estiveram nessa terça-feira (4/6) no cemitério Quinta dos Lázaros como parte da última homenagem de corpo presente ao bailarino e coreógrafo Augusto Omulú, assassinado no último domingo. A canção foi acompanha pela percussão do bloco afro Muzenza, uma das muitas entidades culturais que contaram com o talento de Omulú em suas alas de dança e ações sociais. O enterro contou com a presença de inúmeros artistas e autoridades, e uniu diversos “filhos de santo” num belo e emocionante ritual fúnebre típico do candomblé.

O corpo de  Augusto Omulú chegou ao cemitério às 10h45 vindo do Teatro Castro Alves, onde estava sendo velado desde segunda-feira. O carro fúnebre foi recebido com palmas pelas centenas, em sua maioria vestido de branco, esperavam à porta do cemitério. Acompanhando o caixão, todos seguiram em direção à pequena capela onde foram iniciadas as homenagens. A primeira voz a ressaltar o valor de Omulú e o tamanho da perda que aquele momento representava para a cultura baiana e para a comunidade negra da Bahia foi o empresário e poeta Clarindo Silva.

Emocionado ao ponto de sua voz torna-se quase incompreensível, Clarindo demostrou também um pouco de revolta, emoção que esteve presente durante toda cerimônia, dada as circunstâncias violentas da morte de Omolú. “É um momento de muita tristeza, mas que devemos aproveitar para refletir sobre a violência que nos leva tantos irmãos, e para pedir justiça”, disse.

Ele declarou ainda que a comunidade artística da Bahia vai cuidar do legado do bailarino, responsável por diversas obras sociais. “Augusto, não vamos deixar de cuidar do trabalho que você deixou. Trabalho para o qual os nossos ancestrais lhe trouxeram ao mundo”, acrescentou.

Depois das palavras de Clarindo Silva, foram organizadas filas para que as pessoas vissem o rosto de Omolú pela janela de vidro do caixão. As emoções demonstradas por cada um ao se aproximar da sua face rodeada de rosas brancas, – talvez uma forma de maquiar as marcas da violência sofrida quando de seu assassinato – que se via através de um vidro, eram as mais diversas. Alguns choravam, enquanto outros ficavam impassíveis frente à serenidade do semblante de Omolú. Mas havia aqueles que não escondiam a revolta de ter perdido um amigo, um exemplo, um mestre.

Uma delas, que segurava Iara, irmã do artista que não se sustentou ao vê-lo no caixão, traduziu o sentimento de muitos dos presentes para a reportagem. “Não façam sensacionalismo, não mostrem o sofrimento de uma família e de uma comunidade, mas façam o seu papel de cobrar justiça e de lutar pelo fim da violência em nossa cidade, para que não tenhamos que enterrar pessoas tão necessárias e boas”, disse se mantendo anônima.

Tambores

Hora de levar o corpo de Augusto Omolú para o seu jazido. Nove percussionistas do bloco afro Muzenza começam a tocar no corredor que liga a capela à saída do cemitério. Os músicos batiam forte nos tambores como se demonstrassem sua raiva pela perda trágica de alguém muito querido. Eles dançavam, mas em suas faces uma seriedade parecia querer dizer que aquela era uma dança triste, de protesto. Ao longo do corredor, amontoados entre túmulos e imagens de mármores, envolvidos pela batida dos tambores, os presentes faziam suas emoções mais visíveis.

Com um ramo de flor branca na mão, em meio a rostos chorosos, Lucas Davi Pain, de 13 anos, aluno de Augusto Omulú numa ação social ligada ao Projeto Axé, dançava empolgadamente a música Brilho de Beleza, entoada em coro, como que homenageando aquele que ele chama de mestre dos mestres da dança. “Ele é uma pessoa especial para mim. Disse-me para eu não desistir nunca de dançar. E quando eu errava, ele falava que estava errado e me fazia acertar. Ele acreditou no meu talento”, disse.

Filho do Candomblé

Com a saída do caixão da capela, as homenagens ao bailarino e coreógrafo passam a ser feitas mais explicitamente a um Augusto Omulú que, como seu nome anuncia, era filho criado em terreiro de candomblé. Nesse momento, um canto fúnebre é entoado em iorubá e a parte mais bonita e emocionante do enterro é iniciada. Olorum Kosí Purê, dizia um dos cantos. Segundo o amigo de Augusto Omolú, Gilmar Sampaio, a frase significa “Deus lhe dê o descanso eterno”.

Ele informa ainda que a cerimônia que se iniciava é necessária para que o espírito do morto se libertasse da matéria e seguisse seu caminho sem vagar mais entre os vivos. Seus irmãos de axé seguram então o caixão e ao invés de seguirem para o túmulo vão em direção à saída do cemitério. Carregando flores e algumas palhas, os carregadores começam a correr com o caixão na mão, parado no portal que separa o cemitério do largo de Quintas. Aí eles balançam o caixão por algumas vezes.

O cortejo em ritmo de corrida segue pelo largo faz o contorno ao seu centro e voltando para o cemitério. Antes de entrar nele, no entanto, outra parada, e o caixão, depois de balançado mais algumas vezes, é levantado e posto sobre os ombros dos carregadores que seguem cemitério a dentro rumo ao túmulo.

Na multidão, algumas mulheres gritam e se contorcem ao cederem seus corpos para entidades do candomblé que chegam para participar do funeral.Uma delas recebe Iansã e é levada por outra para perto do caixão dizendo “dá licença pra Iansã passar”.

Antes de chegar ao jazigo, o cortejo para ao lado da mãe de Augusto Omulú. Ela se levanta do banco onde se sentava, amparada por familiares e quase sucumbe à dor, beirando o desmaio. O cortejo segue então para a parada final, a caixa funerária de número 160. Enquanto o caixão é elevado até à entrada do jazigo, os cânticos se misturam aos gritos e prantos. Flores passam de mão em mão até chegar ao caixão que alcança lentamente seu destino.

Às doze horas em ponto, a tampa da caixa funerária é colocada e o nome de Augusto Omolú é entoado em coro precedido de vivas, o que é repetido várias vezes. Terminava aí a última homenagem de corpo presente a um grande baiano, cujas qualidades foram reconhecidas por quem com ele conviveu e até por quem nunca o viu. “Estava passando pelo TCA quando vi uma cerimônia bonita, fui ver e me encantei, acabei seguindo até aqui no cemitério. Achei lindo, era sem dúvida um grande homem”, disse.

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