Mundo terá anos difíceis pela frente com crise econômica e geopolítica

Com globalização ameaçada, mudança climática pode deixar tudo ainda pior

Por Ian Bremmer, da Folha de S.Paulo

Ian Bremmer (Foto: CHARLIE ROSE.COM)

Menos pessoas vivem na pobreza extrema hoje do que viviam em qualquer outro momento da história. As pessoas estão tendo vida mais longa do que nunca, são mais instruídas e têm acesso melhor à tecnologia. Segundo muitos critérios objetivos, a vida neste planeta nunca esteve melhor do que agora.

O problema é que não é essa a sensação que temos. E, em vista do que vem por aí, essa impressão tem suas razões de ser.

Ao longo de boa parte do século passado, a livre circulação internacional de pessoas, mercadorias, ideias e serviços –ou seja, a globalização— possibilitou eficiências de escala e avanços tecnológicos que ajudaram a melhorar a vida diária de bilhões de pessoas. Muitas pessoas que estão vivendo hoje nunca conheceram um mundo em que a globalização não fosse sinônimo da palavra “progresso”.

Mas não é mais assim. Como deixaram claro os últimos três anos de caos geopolítico e ascensão do populismo, muitos foram deixados para trás pela globalização –ou, pelo menos, sentem que foram, coisa que tem grande importância quando falamos em democracias.

Esse tem sido o caso especialmente das classes médias e trabalhadoras dos países industrializados avançados, que enxergam a ascensão de uma nova classe média global na Ásia e América Latina como algo que ocorre à custa de seu próprio bem-estar. Pela primeira vez em quase um século o ímpeto por trás da globalização está começando a se enfraquecer.

E isso não poderia estar ocorrendo em um momento pior. O crescimento econômico global está perdendo força, e, após quase uma década de crescimento econômico ininterrupto que se seguiu à Grande Recessão, a economia global parece estar se encaminhando para uma retração.

Visto isoladamente, isso não seria motivo de preocupação especial: as economias tendem a descrever ciclos de sete ou oito anos de “boom and bust” (expansão e crise), crescendo e se retraindo segundo padrões relativamente bem previstos.

Ao longo do século passado, cada vez que o mundo se dirigiu para um período econômico difícil, o ímpeto da globalização foi afetado. Ele geralmente se recupera –mas não há garantia de que isso ocorra desta vez. Boa parte disso tem a ver com o fato de esta retração econômica particular estar sendo acompanhada por dois fenômenos novos.

O primeiro é a geopolítica atual. As pessoas tendem a falar que a economia se move em ciclos, mas o mesmo ocorre com a geopolítica. Só que os ciclos geopolíticos têm vida muito mais longa –eles se estendem em média por 70 a 80 anos.

Quando a geopolítica está na fase de “boom” do ciclo, os governos e as instituições internacionais estão bem coordenados e eficazes para resolver as questões globais; os conflitos internacionais diminuem e a cooperação econômica aumenta.

Quando a geopolítica está na fase de “bust”, a cooperação internacional diminui, acompanhada pela eficácia das instituições, e os conflitos globais crescem.

Não enfrentamos um ciclo de bust geopolítico real desde o final da Segunda Guerra Mundial, e isso ajuda a explicar por que tantas pessoas hoje estão assustadas, mesmo que não consigam necessariamente articular o porquê.

E há a mudança climática. Ela vem chegando há décadas, mas apenas recentemente começou a tornar-se uma questão política genuína, na medida em que os eventos climáticos extremos vêm aumentando de frequência e intensidade, pouco a pouco impelindo a questão das margens para o centro da preocupação política.

E ao mesmo tempo em que o aquecimento global vai ocupando o centro do palco, tornando-se uma das grandes questões existenciais de nosso tempo, os políticos terão menos espaço político e menos recursos para dedicar à questão, à medida que a globalização estaca e que tanto a economia quanto a geopolítica mergulham na fase descendente de seus respectivos ciclos.

Isso tudo significa que neste final de 2019 o mundo moderno se encontra em uma situação em que não esteve até hoje –globalização, geopolítica e economia todas entrando em fase negativa simultaneamente, ao mesmo tempo em que o ambiente físico do mundo se torna cada vez mais inóspito, exigindo uma ação conjunta e coordenada dos políticos do mundo em um momento em que não lhes faltam outras crises com as quais lidar.

Mas nem toda a esperança está perdida. As pessoas podem se consolar com o fato de que mais de 75 anos de globalização sólida tornaram o mundo mais rico e aumentaram seus conhecimentos, algo que sem dúvida ajudará sua resiliência em fazer frente às crises que vêm por aí.

As pessoas também podem se consolar com o fato de que a geopolítica e a economia se movem em ciclos e que em algum momento futuro vão voltar a ascender. Mas isso vai levar tempo, e enquanto isso, políticos, mercados e eleitores precisam preparar-se para alguns anos difíceis pela frente.

Ian Bremmer
Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Tradução de Clara Allain

+ sobre o tema

Google concorda em pagar US$ 28 milhões em processo por preconceito racial

O Google concordou em pagar US$ 28 milhões (cerca de R$...

Renda de pessoas negras equivale a 58% da de brancas, mostra estudo

A renda do trabalho principal de pessoas negras correspondia,...

Geledés – Instituto da Mulher Negra se solidariza à Ministra Marina Silva

Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização fundada e...

STF forma maioria para validar lei que expulsa empresa por escravidão em SP

O plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta...

para lembrar

Refletindo sobre o povo negro

Fonte: Zero Hora- Por: Tarciso Flecha Negra Uma série...

A marcha fascista em curso: política, mídia, judiciário e religião

Os atuais desdobramentos políticos e seus duros reflexos na...

Nos trilhos – Por: Fernanda Pompeu

É de domínio público que a inteligência é inerente ao...

A felicidade segundo Zygmunt Bauman

O filósofo Zygmunt Bauman, morto no último dia 9...

Alcântara é Quilombola! Em sentença histórica, Corte Interamericana condena Brasil por violar direitos quilombolas e determina titulação do território

Na última quinta-feira (13), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou que o Estado brasileiro é responsável por violar os direitos das...

União Africana classifica escravidão e regime colonial de genocídio

Líderes de países africanos deram um novo passo na crescente reivindicação por reparações históricas ao classificar a "escravidão, deportação e colonização de crimes contra a humanidade e genocídio contra os...

Quilombolas pedem maior participação em debates sobre a COP30

As comunidades afrodescendentes e quilombolas pedem mais espaço nos encontros sobre mudança do clima que antecedem a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as...
-+=