Museu a Céu Aberto: Descobrindo as riquezas da cidade negra submersa no Rio

Por Marquinhos de Oswaldo Cruz, compositor e idealizador do Trem do Samba

O Rio de Janeiro foi a cidade do continente americano que mais recebeu negros para serem escravos. Em função das inúmeras reformas que ela sofreu, eles viveram uma “diáspora” constante, sendo “empurrados” para a periferia e para os morros. Assim, a ideia do Museu a Céu Aberto em Madureira nasce, entre outras coisas, da constatação de que vivemos numa cidade fragmentada, que não se comunica nem física nem simbolicamente e que tem sido pensada para dificultar esse trânsito.


Apesar de conhecedor da imensa herança cultural deixada em todos os cantos da cidade – como a região da Leopoldina, que teve como moradores Donga, João da Baiana e Pixinguinha, e abriga até hoje o bloco Cacique de Ramos -, restringi meu projeto ao local onde nasci e fui criado: a Grande Madureira.

 

Essa região, que já foi a maior arrecadadora de ICMS do estado, abriga em seus bairros um rico patrimônio cultural imaterial, com músicas, histórias, comidas e danças que fazem parte da cultura do Brasil. Talvez por não ter um patrimônio visível e material ela esteja tão abandonada pelos poderes públicos.

 

Nosso projeto é transformar lugares sagrados de nossa memória em pequenos museus a céu aberto. Dividimos essa região, que vai do Complexo da Serrinha, em Vaz Lobo, até Marechal Hermes, em quatro núcleos que estariam expostos à visitação, sempre com músicos locais executando canções dos compositores da região.

 

O primeiro núcleo fica na Serrinha, mapeando as casas de Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e do Centro Cultural Jongo da Serrinha. Caminhando, lá conheceríamos as memórias desses compositores e ouviríamos jongo e samba. Passaríamos depois, em um transporte especial, como um microônibus, pelo Mercadão de Madureira e pela quadra do Império Serrano.

 

O segundo núcleo seria em Oswaldo Cruz, começando por um passeio pela quadra da Portela, que abriga o famoso Bar da Tia Vicentina. Depois, viriam o Centro Cultural Manacéia (em homenagem ao autor de “Quantas lágrimas”), o Bar do Chico Traidor (em homenagem ao autor de “Saco de feijão”), a Praça Paulo da Portela, o Botequim do Nozinho (irmão do lendário Natal da Portela, que recebia os antigos compositores da escola), o Barra Preta (terreno onde se firmou o primeiro núcleo de samba da região e que pode virar um teatro), a quadra da Portelinha (a primeira sede de escola de samba do país), o museu das mães de santo e festeiras dona Neném do Bambuzal e dona Ester, o Museu Paulo da Portela e o Museu Mestre Candeia. Quando falo em museu, me refiro a uma outra concepção, onde o público possa interagir com a produção material, mas principalmente com a produção simbólica. Por isso, nesses espaços, sempre haveria música e comida.

 

O terceiro núcleo estaria em Bento Ribeiro, mais ligado à musica instrumental, onde músicos tocariam instrumentos de sopro, cordas e percussão. Teríamos ainda, na terra do mestre Zé Kétti, um centro cultural com seu nome, e mais um outro no prédio da lendária Gafieira Cedofeita, onde, no passado, Pixinguinha improvisava. Além disso, reativaríamos o Cine Caiçara e construiríamos o Museu Ronaldo Fenômeno, que atrairia muitos turistas, principalmente no ano da Copa.

 

O quarto núcleo, dedicado ao choro, ficaria em Marechal Hermes. Os chorões sairiam da praça em frente à bela estação ferroviária caminhando para conhecer o Centro Cultural Lalau e Osmar do Cavaco e o Centro Cultural Luperce Miranda. Para realizarmos o projeto em sua totalidade, precisaríamos que os trens, tanto da Central como da Linha Auxiliar, funcionassem com intervalos menores. Sugiro também a criação de uma estação de trem entre Rocha Miranda e o Mercadão de Madureira, que teria em seu anexo um centro olímpico. Mais ainda: lá, os BRTs (proposta da prefeitura) seriam veículos leves sobre trilhos, trazendo de volta os velhos e românticos bondes, associando beleza e menos poluição.

 

Acreditamos que assim se produziria um grande fluxo de turistas internos e externos, que poderiam conhecer as riquezas desta cidade negra submersa no Rio. Mas mesmo sem o projeto vale conhecer a região: uma Nova Orleans carioca. (M.O.C.)

Fonte: Globo

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