Na fila da adoção – Das 26 mil famílias que aguardam na fila da adoção, mais de um terço aceita apenas crianças brancas

por Amanda Cieglinski

Três anos após a criação do Cadastro Nacional de Adoção, as crianças negras ainda são preteridas por famílias que desejam adotar um filho. A adoção inter-racial continua sendo um tabu: das 26 mil famílias que aguardam na fila da adoção, mais de um terço aceita apenas crianças brancas. Enquanto isso, as crianças negras (pretas e pardas) são mais da metade das que estão aptas para serem adotadas e aguardam por uma família.

Apesar das campanhas promovidas por entidades e governos sobre a necessidade de se ampliar o perfil da criança procurada, o supervisor da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Walter Gomes, diz que houve pouco avanço. “O que verificamos no dia a dia é que as família continuam apresentando enorme resistência [à adoção de crianças negras]. A questão da cor ainda continua sendo um obstáculo de difícil desconstrução.”

Hoje no Distrito Federal há 51 crianças negras habilitadas para adoção, todas com mais de 5 anos. Entre as 410 famílias que aguardam na fila, apenas 17 admitem uma criança com esse perfil. Permanece o padrão que busca recém-nascidos de cor branca e sem irmãos. Segundo Gomes, o principal argumento das famílias para rejeitar a adoção de negros é a possibilidade de que eles venham a sofrer preconceito pela diferença da cor da pele.

“Mas esse argumento é de natureza projetiva, ou seja, são famílias que já carregam o preconceito, e esse é um argumento que não se mantém diante de uma análise bem objetiva”, defende Gomes. O tempo de espera na fila da adoção por uma criança com o perfil “clássico” é em média de oito anos. Se os pretendentes aceitaram crianças negras, com irmãos e mais velhas, o prazo pode cair para três meses, informa.

Há cinco anos, a advogada Mirian Andrade Veloso se tornou mãe de Camille, uma menina negra que hoje está com 7 anos. Mirian, que tem 38 anos, cabelos loiros e olhos claros, conta que na rotina das duas a cor da pele é apenas um “detalhe”. Lembra-se apenas de um episódio em que a menina foi questionada por uma pessoa se era mesmo filha de Mirian, em função da diferença física entre as duas.

“Isso [o medo do preconceito] é um problema de quem ainda não adotou e tem essa visão. Não existe problema real nessa questão, o problema está no pré-conceito daquela situação que a gente não viveu. Essas experiências podem existir, mas são muito pouco perto do bônus”, afirma a advogada.

Hoje, Mirian e o marido têm a guarda de outra menina de 13 anos, irmã de Camille, e desistiram da ideia de terem filhos biológicos. “É uma pena as pessoas colocarem restrições para adotar uma criança porque quem fica esperando para escolher está perdendo, deixando de ser feliz.”

Para Walter Gomes, é necessário um trabalho de sensibilização das famílias para que aumente o número de adoções inter-raciais. “O racismo, no nosso dia a dia, é verificado nos comportamentos, nas atitudes. No contexto da adoção não tem como você lutar para que esse preconceito seja dissolvido, se não for por meio da afirmatividade afetiva. No universo do amor, não existe diferença, não existe cor. O amor, quando existe de verdade nas relações, acaba por erradicar tudo que é contrário à cidadania”, ressalta.

Fonte: Agência Brasil

+ sobre o tema

Minha terra tem horrores’: versão de poema feita por alunos do Rio causa comoção nas redes sociais

'Canção do exílio', escrita há 170 anos por Gonçalves...

O Legado Espiritual de um Povo

Estudar as religiões de matriz africana no Brasil e...

Mistura de raças do Brasil é catastrófica, escreveu atirador da Noruega

Texto publicado na internet liga mistura de raças a...

Tenha responsabilidade emocional com o outro.

Ao sair da vida de alguém, acabar uma relação...

para lembrar

Marido de bicampeã olímpica de vôlei acusa Carrefour de racismo

O cantor Vinícius de Paula, marido da bicampeã olímpica...

Fifa abre processo contra cinco federações por racismo e homofobia

Argentina, Honduras, México, Peru e Uruguai receberam multa de...

Suecos se unem contra racismo em classificação para as oitavas

A Suécia comemorou muito a vitória por 3 a 0 e...

Apresentador de ‘O Aprendiz’ é acusado de racismo com o time de futebol senegales

Alan Sugar fez comparação relacionada à seleção do Senegal...
spot_imgspot_img

Negros nos EUA recebem ‘anúncio’ em celular sobre volta da escravidão

Um email nesta sexta-feira enviado pela direção da escola dos meus filhos, em Nova York, me deixou alarmado e, ao mesmo tempo, me despertou...

Pessoas negras morrem 8 vezes mais que brancas em ações policiais no Ceará, diz levantamento

A população negra é oito vezes mais assassinada que pessoas brancas em ações policiais no Ceará. Os dados constam na quinta edição do boletim...

Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudo

Estudo publicado nesta quinta-feira (7) pela Rede de Observatórios da Segurança mostra que 4.025 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2023. Em 3.169...
-+=