A Invisibilidade do Racismo

Recentemente, falei dos brancos que acham que não tem raça e dos que gritam racismo reverso sempre que os negros tentam levantar o queixo. Agora, alguns exemplos. Na verdade, são tantos que é até fastidioso listar. O Marcus chamou minha atenção para esse tópico do Orkut, onde um aluno questiona porque o comercial de sua escola não mostra nenhum aluno negro:

Por que não aparecem alunos negros nos comerciais do energia??? os comerciais não tem que ser direcionados a todas classes e raças???

De 18 pessoas que responderam, só 3 manifestaram apoio ao autor do questionamento inicial, sendo que um deles ainda aponta:

Levando em consideração que um dos professores do colégio é o Wander, que cita em sua página livro que duvida do Holocausto judeu, o seu tópico faz todo o sentido!

O racismo brasileiro é pior que o americano justamente por ser hegemônico e, portanto, invisível. Nos EUA, o discurso da racismo era escancarado e o seu contra-discurso também. No Brasil, o racismo é tão hegemônico e naturalizado que ele nem precisa de um discurso racista para se manter. Na verdade, ele se mantém melhor por não ter esse discurso. A falta do discurso racista torna as práticas racistas invisíveis (mas não menos opressivas) e tiram a legitimidade de qualquer contra-discurso: “Do que você está reclamando, meu filho? Pare de criar caso… O Brasil não é racista, nunca tivemos leis segregacionais, VOCÊ é que está sendo racista de falar nisso…”

Abaixo, exemplos tirados do tópico do Orkut:

Só mostrar brancos não quer dizer que a escola só é pra eles… assim o preconceituoso está sendo vc. Ngm nem repara mais nessas coisas, só quem tem preconceito e fica querendo “igualdade” até nisso, sendo que se pensar bem, a igualdade vai pela lógica de que o comercial representou a maioria que é branca.

Que absurdo ficar reparando na etnia das pessoas em um comercial. É esse tipo de atitude que leva o preconceito racial adiante! [nota do Alex: pela foto, essa pessoa é negra ou, pelo menos, seria considerada negra em Santa Catarina, onde fica a escola. Sua última frase foi “apoiada” pela maioria dos participantes.]

Concordo com vc Ricardo,nem reparei nisso!Pra que ficar reparando”Lá não tem negro,xii o neguinho tah sendo reprovado…”PLESE

criem cotas para negros em comerciais! Ja tem até em universidade…

Como falaram, mostraram alguns alunos (na real a maioria das pessoas nem reparou nisso só vc)

Gente é só um comercial, e os negros agora antes de ir estudar em uma escola, vão ter ver as propagandas que foram feitas pra escolher o colégio em que vão estudar se tiver uma propaganda com negros tudo bem, se não tiver não vai estudar lá, me poupe, e outra coisa o racismo estão vindo de vcs que ficam achando defeito nos comerciais, não tem mais o que fazer do que fica achando defeito. Não importa a cor da pessoa que ta fazendo a propaganda pois tudos que querem podem estudar no energia, mas são pessoas como vcs que levam o preconceito a diante se vcs pensassem um pouco antes de falar uma coisa dessas.pensem bem antes de falar só um conselho!!!! ME POUPE

Nem reparei nisso..até por que o simples fato de criar um topico só para alertar sobre isso é um tipo de rascismo e preconceito.Podemos dizer que se o Energia colocasse somente UM negro tambem iriam complicar e dizer que estava sendo um fato de simples “obrigaçao”.Pessoas como o criador do tópico não tem o que fazer mesmo.Acho que o preconceito esta dentro de você qeriiiido.Tome cuiiidado com isso

Eu sou negão e não me incomodo de nenhum aparecer

Eu também não vi índios e orientais nos comerciais.

Nem mongóis! Já no orkut..

Para quem faz parte da maioria dominante, a desigualdade é natural. Para eles, um anúncio de escola só com alunos brancos é a coisa mais normal do mundo, algo que eles nem reparam. Anormal, anti-natural, incômodo é quando alguém aponta que essa situação não é nem normal, nem natural e que é muito incômoda para quem foi suprimido. Aí, a reação é imediata:

“nós nem estávamos pensando em termos de raça, estávamos muito felizes no nosso mundo sem raça, onde todos são indivíduos iguais, e você é que veio falar de raça pela primeira vez, você é que levantou o assunto, você é que é o racista!”

De acordo com suas declarações, os jovens acima vivem em uma sociedade justa e meritocrática. Não pensam em raça porque isso não é necessário. No anúncio da escola, não aparecem nem brancos nem negros, só pessoas, só alunos. Sua raça é irrelevante. Quem faz o racismo existir (ou seja, antes ele não existia) são as pessoas que apontam e verbalizam a desigualdade racial – não as pessoas que a criaram ou que se beneficiam dela. O racismo não é aação de fazer um anúncio sem negros ou a percepção disso como normal, mas sim a articulação desse fato como um problema. Se os racistas somente parassem de falar de raça, poderíamos todos viver no paraíso racial meritocrático de novo, como sempre foi.

Eu gostaria de fazer um teste com esses adolescentes: refilmar o mesmo anúncio da escola, mas só com alunos negros. Ou asiáticos. Será que eles também não iriam perceber? Ou será que dessa vez o “conteúdo racial” do anúncio lhes saltaria aos olhos?

* * *

Opinou o leitor Homero, sobre a polêmica das camisas “100% Negro” e “100% Branco”:

Eu já tinha ouvido essa argumentação de que uma camisa 100% Negro é diferente de uma camisa 100% Branco. Talvez nunca de forma tão elegante e articulada como você escreveu, mas já conhecia o argumento. Infelizmente o argumento ainda não me convenceu…. No momento em que as estatísticas começam a classificar as pessoas por raça (essa abstração mal definida) a sociedade está abrindo as portas do racismo. No momento em que a cor da pele é o fator definidor do bem-estar, a mentalidade racista se instalou.

Alguém acha mesmo que as portas do racismo já não estão abertas? Que a mentalidade racista já não está instalada? Que o racismo não se instala no Brasil até que uns negros (agressivos ou se fazendo de vítima) começam a usar camisas “100% Negro” e falar em cotas universitárias? Que foi NESSE MOMENTOque a mentalidade racista se instalou? Sério mesmo?

A mentalidade racista está instalada (e muito confortável, obrigado) desde que se escravizou o primeiro índio. As portas do racismo nunca estiveram nem entreabertas: estão escancaradas há 500 anos.

* * *

Naturalmente, só não repara no racismo quem se beneficia dele. Quem sofre seu peso todos os dias sabe bem do que se trata. O racismo é como se fosse um Contrato Social (na verdade, um Contrato Racial) no qual os membros da raça dominante formam um acordo tácito de, ao mesmo tempo em que garantem para si a maior parte das riquezas/oportunidades/etc da sociedade, também consentem em não ver o próprio sistema, criando assim a “alucinação consensual” de um mundo sem raças, meritocrático e igualitário, que passa a mediar sua interpretação da realidade. Nem todos os brancos são signatários do Contrato Racial, mas todos são beneficiários. (Mills, 11)

Numa sociedade racialmente estruturada e profundamente desigual, as únicas pessoas que são psicologicamente capazes de negar a centralidade do racismo são justamente aquelas que pertencem à raça privilegiada: a raça, para eles, torna-se invisível porque o mundo é estruturado em função deles; eles são a norma em oposição a qual são medidas as pessoas de outras raças (“esses outros tem raça, não eu!”). Assim como o peixe não vê a água, os membros da raça dominante não vêem o racismo. (Mills, 76) Desse modo, como citei ontem, é possível que os membros do sindicato dos ferroviários, sinceramente e de boa fé, neguem acesso aos negros ao comitê de práticas raciais porque eles eram “representantes de uma raça”, sem nunca se dar conta de que eles também tinham raça e que também representavam os interesses dela. Pra eles, quem tem raça é sempre o outro.

Em uma sociedade racista e desigual como o Brasil, afirmar não ver raça, não ligar pra raça, que raças não existem, que isso não tem importância, “que besteira você se importar com isso”, etc, significa na prática tomar partido racialmente ao se aliar com a hegemonia invisível que *precisa* desse tipo de negação para sobreviver e prosperar.

Não existe neutralidade possível: negar raça já é uma afirmação política que te coloca em um dos lados bem definidos de uma briga antiga. Negar raça já é intrinsecamente racista.

Fonte: Interney

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