Não basta evitar a intolerância, evangélicos devem dar o exemplo

O amor ao próximo não é condicional à concordância religiosa, mas um reflexo da graça divina que recebemos e devemos compartilhar

Desde 2007, o dia 21 de janeiro é marcado como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data remete à memória de Mãe Gilda, uma ativista social e líder candomblecista de Salvador, que foi vítima de perseguições em 1999. Ela e seu marido sofreram agressões físicas e verbais, além de ataques ao espaço religioso que lideravam. O impacto dessa violência culminou em um infarto fulminante, que tirou sua vida em 21 de janeiro de 2000.

Esse tema, para mim como pastor, é essencial para o trabalho das igrejas. O protestantismo desempenhou historicamente um papel fundamental na defesa da liberdade religiosa no Ocidente. Além de defender a separação entre a Igreja e o Estado, a fragmentação religiosa resultante da Reforma tornou necessária a coexistência pacífica entre diferentes credos, o que incentivou a elaboração de documentos como o Edito de Tolerância de Nantes (1598), na França, e o Ato de Tolerância (1689), na Inglaterra.

Embora limitados, foram passos importantes para garantir algum grau de liberdade religiosa. Por isso, surpreende que parte do aumento dos casos de intolerância religiosa no Brasil esteja associada a evangélicos.

Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre 2019 e 2023, mais de 60% dos casos de intolerância religiosa registrados no Brasil tiveram como alvo praticantes de religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda. Em muitos desses episódios, os agressores justificaram suas ações com interpretações equivocadas de textos bíblicos ou discursos religiosos que promovem o ódio ao diferente.

Como alguém que pertence à fé evangélica desde o nascimento, conheço o poder transformador da mensagem de amor anunciada por Jesus, que inspira tantos a promover o bem ao próximo. Contudo, também reconheço que muitos praticantes da minha religião negam a intolerância de seus atos, acreditando estar apenas defendendo a verdade de sua fé.

Isso nos leva a um questionamento importante: como é possível justificar injúrias, agressões físicas, verbais e a depredação de espaços religiosos como um zelo pela fé? Para muitos religiosos, enfrentar outras crenças faz parte de sua missão, convencidos de que estão agradando a Deus. É por isso que os líderes religiosos têm uma responsabilidade em promover discursos que construam caminhos de paz.

Costumo perguntar à minha congregação: se a nossa igreja deixasse de existir hoje, ela seria lembrada como um espaço de amor e respeito ou como uma comunidade que contribuiu para divisões e intolerância? O chamado de Cristo aos seus seguidores é claro: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9).

Como uma religião que caminha para ser majoritária no Brasil, a igreja evangélica deve agir como promotora da paz e do respeito, refletindo o caráter de Cristo em suas palavras e ações. Não basta evitar o erro da intolerância, mas buscar promover a reconciliação e o diálogo em um país marcado pela pluralidade religiosa. Afinal, o amor ao próximo não é condicional à concordância religiosa, mas um reflexo da graça divina que recebemos e devemos compartilhar.

Um exemplo relevante é o coletivo Bereia, que atua no combate à desinformação religiosa promovendo conteúdos que incentivam o respeito às diferentes crenças. Também há iniciativas de igrejas locais, como a Igreja Comuna, na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Liderada pelo pastor Julio Oliveira, a congregação atua no combate ao racismo religioso participando de mutirões inter-religiosos que apoiam a revitalização de espaços de culto de religiões de matriz africana, demonstrando solidariedade na prática.

Essas ações evidenciam que a vivência do evangelho vai além da pregação, incluindo o compromisso ativo com a justiça e o respeito à dignidade de todas as expressões de fé.

Em uma sociedade plural, é necessário reconhecer o lugar de cada fé e promover o respeito mútuo. Combater a intolerância religiosa não significa apagar as diferenças ou diluir as crenças, mas compreender que visões distintas sobre o mundo podem conviver de forma harmoniosa, contribuindo juntas para o bem comum.


Daniel Guanaes – PhD em teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)

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