‘Não é todo mundo assim’, diz paralítico ajudado por atendente

Alvelino José é de Uberlândia e disse que acredita no coração das pessoas.
Foto de atendente dando sorvete a paralítico comoveu redes sociais.

Por Anna Lúcia Silva Do G1

A foto em que uma atendente de uma rede de fast food aparece dando sorvete a um cadeirante em Uberlândia, compartilhada 8 mil vezes nas redes sociais, continua comovendo internautas por todo país. Um dia após o G1 publicar a reportagem, o cadeirante foi identificado. Alvelino José Gomes, de 40 anos, comentou o ato solidário da atendente e disse à reportagem que acredita no bom coração das pessoas. Ele ressaltou que passou momentos felizes no domingo (31), quando saiu sozinho para ir ao shopping.

Alvelino contou que tem paralisia infantil. No momento da entrevista ao G1 ele estava na Associação Comunitária de Apoio ao Deficiente (Acaped) , onde passa boa parte do dia, das 7h  às 17h.

Alvelino mora próximo ao shopping e, mesmo com dificuldade, se aventura a ir ao local. Para isso, ele usa uma cadeira motorizada que ganhou recentemente. “As pessoas veem a minha dificuldade e me ajudam. Mas não é todo mundo assim. Tem gente que não pode confiar”, contou.

E foi exatamente o que ocorreu no domingo. Mesmo sem ter pedido ajuda, o cadeirante viu Lawane Rodrigues de Sousa, de 17 anos, deixar seu posto de trabalho para ajudá-lo a tomar sorvete. “Ela viu minha dificuldade e me ajudou. Eu fiquei muito feliz naquele dia. Ela me ajudou a ir no supermercado, a uma loja. Achei muito bom’, contou Alvelino.

Fotografia
O gesto foi registrado em uma foto e desde então compartilhado por milhares de internautas. “Esse tipo de atitude não parte de qualquer pessoa. A funcionária saiu de seu posto e naquele momento ela não se importou se outras pessoas ficariam sem atendimento, não se importou se seria chamada sua atenção. Ela simplesmente foi até o cliente incapacitado de segurar qualquer coisa e deu sorvete na boca dele”, contou o músico e professor Thiago Ferreira, sobre o registro feito.

A foto foi feita durante a tarde, quando Thiago caminhava pelo shopping. Segundo ele, a imagem mostra um gesto simples, encantador e  pouco comum.  “Não aguentei e no impluso retirei o celular e registrei. Fiquei de longe olhando e logo fui dar um abraço na moça. Fui tomado por uma profunda emoção. Nós vemos tanta coisa ruim nesse mundo que acabamos por não acreditar mais nas pessoas. Quando vemos algo assim, é preciso compartilhar”, disse

Segundo o sociólogo Clayton Pereira, ações como estas estão cada vez mais raras hoje em dia. Ele avaliou a imagem. “Num olhar sociológico, a vida humana só é possível por meio da sociabilidade, que envolve gestos de solidariedade entre os indivíduos. Acontece que atos assim, de altruísmo, numa sociedade contemporânea, cada vez mais egoísta, competitiva e individualista, surpreendem pela simplicidade e atenção às necessidades alheias. De fato, um resgate de valores morais muito escassos hoje em dia”, comentou o sociólogo.

Feliz com a repercussão, a funcionária Lawane Rodrigues de Sousa, uma adolescente de 17 anos, disse estar agradecida pelo reconhecimento e compartilhamento da atitude. Ela ressalta que a ação foi natural. “Eu estou me sentindo muito feliz com tudo isso. Na hora foi um gesto comum. Vi que ele não tinha como tomar o sorvete quando entreguei o pote para ele, então o ajudei. Passamos quase uma hora juntos e ele me agradeceu muito. Depois do sorvete, o levei próximo ao banheiro, em seguida ao supermercado e depois o deixei em uma loja de doces”, disse.

Lawane contou ainda que não levou nenhuma bronca por ter se ausentado da função. “Pelo contrário, meus colegas e a gerência me parabenizaram, disseram que precisamos fazer mais coisas assim. Fiquei e estou muito feliz”, contou.

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O sociólogo Clayton Pereira destaca que a ação da adolescente é a essência da solidariedade. “É bacana destacar a etimologia, significado da palavra solidariedade. A palavra solidariedade tem origem no francês ‘solidarité’, que também pode remeter para uma responsabilidade recíproca. Laços de solidariedade são típicos de comunidades, contrastando com a competitividade característica de sociedades. O que a funcionária praticou foi a essência da solidariedade, ou seja, a identificação com o outro e a vontade de cooperar”, destacou.

Ao abraçar Lawane depois de tirar a foto, Thiago disse que a agradeceu pelo momento proporcionado. “Agradeci porque eu me senti muito bem ao ver aquilo. Logo saí, para não deixá-la sem graça e para chorar”, destacou.

Lawane disse que não sabe quem é o cliente, mas que faz questão que ele retorne ao local. “Eu gostaria que ele retornasse várias vezes e em todas estarei disposta a ajudá-lo”, finalizou.

Comoção
Após a repercussão, o G1 também enviou a imagem para a psicóloga e especialista em Psicologia social, Eloisa Borges. Ela pontua sobre a comoção e questiona o quanto uma ação como aquela é capaz de provocar mudanças nas ações de outras pessoas. “Em uma sociedade individualista como a nossa, a capacidade de sentir empatia e compaixão com o sofrimento alheio parece escassa. Neste contexto, um gesto solidário e simples comove. A questão que me coloco é se uma foto como esta, compartilhada e elogiada na rede, é capaz de engendrar mudanças nas atitudes de outras pessoas”, destacou.

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