Não preciso de bananas. Preciso de justiça

O texto abaixo foi escrito por Thiago Ribeiro, que vem travando na justiça uma luta até aqui inglória contra o racismo do comediante Danilo Gentili.

Em 2012, durante semanas, acompanhei os comentários racistas e ofensivos proferidos pelo comediante Danilo Gentili, em redes sociais, programas de televisão e apresentações de stand-up comedy.

Em 2009, Danilo Gentili foi investigado pelo Ministério Público, mas entenderam que não houve racismo,ofensa ou qualquer outra coisa que caracterizasse crime.

Com base nas ofensas proferidas contra pessoas de raça negra, formulei uma carta denunciando o comediante por injúria racial e incitamento de ódio e violência.

Entrei em contato com Gentili, através do Twitter, para solicitar emails de contato, dele da BAND, para enviar cópias da denúncia. Enviei mensagens para ele dizendo que “deste macaco ele nunca mais tiraria sarro”. O que a maioria das pessoas não percebeu é que em momento algum eu disse que era um macaco, mas apenas repeti a forma de tratamento usada por Danilo Gentili ao se referir a negros, desde 2009.

Ele me enviou a seguinte mensagem através do Twitter:

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A mensagem foi apagada logo em seguida, porém recebi uma notificação por email. Isso ocorreu por volta de meia-noite. Então começaram os ataques através do Twitter e Facebook. Centenas de fãs de Danilo Gentili, com o apoio de Marcos Kleine e Roger da banda Ultraje a Rigor, enviaram mensagens racistas, ofensivas, nojentas e quaisquer outros adjetivos nocivos que consigam imaginar. Passei a madrugada inteira, até aproximadamente 6hs da manhã, visualizando e printando todos os comentários.

As ofensas dirigidas a mim poder ser visualizadas aqui.

No dia seguinte entrei em contato com a Secretaria da Justiça de SP para orientação sobre quais providências tomar. Por incrível que pareça, o órgão de combate ao racismo da Secretaria da Justiça já estava ciente da situação, dada a repercussão nas redes sociais.

Me convidaram então para comparecer até o escritório para formalizar a denúncia. Um representante da secretaria me acompanhou até o DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) para prestar queixa e lavrar boletim de ocorrência. O delegado que me atendeu não queria registrar a ocorrência, por entender que não havia crime. Com muita insistência consegui registrar o boletim.

Saindo de lá, enviei a denúncia para o Ministério Público Federal, de São Paulo, SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), SOS Racismo (Assembléia Legislativa de São Paulo), além de grupos e organizações de combate ao racismo ligados ao movimento negro. Por último, apresentei a denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de SP e da OAB-SP.

Todas as denúncias foram protocoladas e, em anexo, apresentadas as provas.

De 2012 até agora, continuei a receber ofensas racistas e ameaças de grupos neonazistas, fãs de Danilo Gentili.

No dia 24 de abril de 2014, mais de um ano após a denúncia, soube através de redes sociais que Danilo Gentili havia sido julgado e absolvido de todas as acusações, entendendo o juiz que “…o réu utilizava a rede social como meio de divulgação e de suas piadas. Assim, na maior parte dos casos, parece-me que a abordagem com seus seguidores, ainda que agressiva, tinha a intenção de fazer rir.”

O resto do mundo vai na direção contrária e condena tais atos com rigor. Exemplos:

1. O torcedor que atirou uma banana para o jogador Daniel Alves acabou banido do estádio na Espanha;

2. O dono de um time de basquete americano foi banido da NBA e pagará multa de 2,5 milhões de dólares por conversa de teor racista entre ele e sua namorada.

Posso afirmar, agora, com a mais absoluta certeza, que este país não me representa, como a nenhum negro ou negra. Afirmo também que ONGs de combate ao racismo servem apenas para receber prêmios e participar de eventos, uma vez que não recebi apoio de nenhuma, a não ser do Quilombo Raça e Classe em SP, liderado pelo meu amigo Wilson Honório da Silva.

Após o julgamento, os fãs de Danilo Gentili recomeçaram as ofensas em meu Twitter e Facebook. Protegidos e com o aval da justiça podem agora, sem medo, exteriorizar seu ódio contra negros e negras em redes sociais. E com o apoio de artistas brasileiros, podem chamar, livremente, negros de macacos e oferecer bananas.

Como de costume, a vítima se torna culpada. O comediantes brasileiros estão acima da lei.

Minha luta continua e farei uso de todos os meios necessários para obter justiça.

Agradeço a todas as pessoas que têm me apoiado e enviado mensagens de solidariedade.

Não quero banana alguma e não sou macaco. Só quero justiça.

 

autor-paulo nogueita

Sobre o Autor

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

 

Fonte: DCM

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