Não sabemos se futebol é tão homofóbico, diz ex-jogador que assumiu ser gay

O ex-jogador alemão de futebol Thomas Hitzlsperger afirmou à BBC que ninguém pode dizer ao certo se o futebol é um ambiente “tão homofóbico”, já que nenhum jogador em atividade se assumiu homossexual.

O ex-meio-campista da seleção alemã e de times como Wolfsburg, Aston Villa e Everton – que se aposentou em setembro do ano passado – deu uma entrevista a um jornal alemão nesta semana assumindo ser gay.

 

 

Outros jogadores e ex-atletas já assumiram sua homossexualidade no passado, mas não há casos entre atletas que atuaram nas primeiras divisões da Inglaterra e Alemanha (a Premier League e a Bundesliga).

No ano passado, o americano Robbie Rogers anunciou sua homossexualidade ao se aposentar do Leeds (segunda divisão inglesa), mas acabou voltando à atividade ao ser contratado pela equipe Los Angeles Galaxy.

Em duas entrevistas à BBC, Hitzlsperger falou sobre as contradições entre a imagem que as pessoas têm de um jogador gay e a realidade.

“Já ouvi pessoas dizerem que no futebol profissional você tem que ser forte e poderoso, e acham que ser gay não é isso. Que você é o oposto: que é mole, que não gosta de dar carrinho, que é fraco”, disse o ex-jogador.

“Mas quando vejo o meu caso, eu era apelidado de ‘O Martelo’ porque tenho um chute forte com a esquerda e sou forte. Eis ai uma contradição. Por que as pessoas acham que ser gay é ser fraco? Eu acho que provei o contrário.”Nesta quinta-feira, a Fifa destacou a atitude do ex-jogador. Por meio de um comunicado oficial, a entidade máxima do futebol mundial declarou apoio à decisão de Thomas Hitzlsperger e disse que seguirá tomando medidas contra a discriminação e o racismo no futebol.

“A Fifa e o seu presidente (Joseph Blatter) apoiam a decisão de Thomas Hitzlsperger de anunciar sua orientação sexual. Infelizmente, ainda existe preconceito dentro do futebol. A Fifa está trabalhando duro para acabar com isso e espera que o depoimento de Thomas aumente o respeito”, dizia a nota.

“Durante muitos anos, a Fifa tomou medidas contra qualquer forma de discriminação, inclusive contra orientação sexual.”

Confira abaixo a entrevista de Hitzlsperger à Radio 4, da BBC.

BBC: Que reação você esperava quando decidiu anunciar que é gay?

Hitzlsperger: Eu não sabia o que esperar. Eu simplesmente havia decidido que era a hora certa para fazer isso, sem pensar muito na reação.

Há dois anos eu estava neste mesmo ponto, em que eu queria falar, mas na época fui alertado por várias pessoas de que seria demais, jogar futebol e lidar com isso ao mesmo tempo. E eles estavam certos. Nas últimas semanas tive que trabalhar bastante para me preparar para hoje. Não consigo imaginar jogar futebol e fazer isso ao mesmo tempo.

BBC: Você se aposentou em setembro e obviamente já sabia que era gay há alguns anos.

Hitzlsperger: Sim, no final da minha carreira eu já tinha certeza de que era gay e de que queria viver com outro homem. Mas nunca senti a necessidade de falar abertamente sobre isso no vestiário ou publicamente enquanto eu jogava. Foi só recentemente que pensei que teria tempo para lidar com isso.

Eu nunca tive vergonha (de ser gay) e achei que era o momento certo. Uma vida minha acabou – a de jogador de futebol – e estou prestes a começar uma nova vida. Espero que isso vá me fazer sentir melhor. Com certeza já me sinto bem, é uma sensação ótima.

BBC: Se você tivesse saído do armário quando jogava para times como West Ham ou Aston Villa, na Inglaterra ou na Alemanha, qual acha teria sido a reação?

Hitzlsperger: Não sei responder essa pergunta. Não quero fazer especulações. Eu sempre quis ser jogador de futebol profissional. Quando finalmente alcancei isso, na Bundesliga e na Premier League, eu queria melhorar, me tornar um jogador melhor. E tudo que me distraía disso eu colocava de lado.

Eu pensava: ‘isso (assumir ser gay) requer muita energia e tempo e eu não quero lidar com isso agora’. Eu queria ser visto apenas como um jogador de futebol. Não queria ficar falando só sobre a minha vida privada, e por isso eu não gostava de tocar no assunto.

BBC: Você temia reações homofóbicas de jogadores ou de torcedores?

Hitzlsperger: Eu não sei se o futebol é um ambiente tão homofóbico assim. As pessoas especulam que seria assim. Mas já que não sabemos, pois nunca tivemos um jogador gay assumido na Premier League ou na Bundesliga, é difícil dizer que isso vai acontecer. Temos que esperar para ver.

BBC: Mas não lhe parece estranho que nenhum jogador assumiu ser gay antes?

Hitzlsperger: Sempre falamos que estatisticamente existe uma parcela da população que é gay. Mas no futebol não existe nenhuma pessoa, pelo menos nas ligas de elite da Europa. É claro que isso é bizarro.

Mas acho que não devemos dar tanta bola para isso. O meu exemplo mostra que isso ainda é uma grande polêmica. E queremos chegar a um ponto em que isso não seja mais um grande assunto. Mas ainda vai demorar muito tempo.

BBC: Você procurou um jornal na Alemanha para fazer esse anúncio. Isso ainda é notícia – mesmo após a sua aposentadoria.

Hitzlsperger: Eu posso ser o primeiro jogador a ter atuado na Premier League que assume ser gay, mas já houve outros jogadores antes de mim que assumiram. Eu acompanhei a reação na época, e foi enorme. Eu pensei: ‘Se jogadores na segunda e terceira divisões saem do armário e é algo tão grande e vira notícia de jornal, como seria com uma pessoa que está atuando na elite?’

Talvez se mais jogadores passarem a seguir o exemplo, isso vire algo normal e facilite para que outros façam o mesmo.

BBC: Você pode nos dar uma ideia de como era estar com seus colegas? Havia piadas sobre homossexuais que o chateavam?

Hitzlsperger: O vestiário pode ser um ambiente engraçado, onde há muitas piadas. Se as piadas sobre gays são engraçadas, eu consigo rir. Eu não levo a sério demais.

Havia alguma especulação e boatos sobre se um atleta ou outro seria gay. Mas nós nunca tínhamos discussões muito sérias sobre isso, sobre como seria a nossa reação, ou os torcedores.

Tínhamos outras prioridades. Nós nos reuníamos para nos preparar para jogos importantes. Para tentar ser escalado no time. Para falar sobre ser transferido para clubes melhores ou chegar na seleção. Essas eram as nossas preocupações.

BBC: A Bundesliga e a Premier League poderiam ajudar mais para facilitar a vida dos jogadores gays?

Hitzlsperger: Eu diria que a federação alemã já faz bastante. Eles distribuíram um panfleto no ano passado orientando jogadores gays sobre na Bundesliga e outras divisões sobre como eles deveriam enfrentar o assunto. Sobre a federação inglesa FA, eu não tenho certeza. Eu não sei exatamente o que eles têm feito a respeito. Sei que eles trabalham duro para combater o racismo.

 

 

 

Fonte: BBC

 

 

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