*Tão perto e tão longe das soluções
O Brasil evoluiu em termos de saneamento básico, mas ainda há muito por fazer. Estudo da pesquisadora Maria da Piedade Morais, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que são 14,2 milhões de pessoas sem água canalizada, 34,5 milhões sem esgoto por rede ou fossa séptica e 4,4 milhões sem coleta de lixo, apenas nas áreas urbanas.”Falta saneamento básico adequado principalmente para a população mais pobre, e nas áreas rurais a cobertura continua muito pequena”, diz a pesquisadora. O estudo foi elaborado com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os progressos alcançados no acesso ao saneamento básico foram os seguintes:a parcela de moradores em domicílios particulares permanentes urbanos no Brasil que em 2001 não tinha água canalizada de rede geral era de 12,3%, e caiu para 9,1% em 2006; a parcela sem esgoto de rede geral ou fossa séptica caiu de 26,0% para 22,2% no mesmo período; a parcela sem coleta de lixo caiu de 5,7% para 2,9%; e a parcela com saneamento básico inadequado, considerando água, esgoto e lixo simultaneamente, caiu de 30,9 % em 2001
para 26,8% em 2006.
Apesar dos avanços, as estatísticas mostram que ainda predomina a desigualdade no acesso a esses serviços públicos. A primeira disparidade é de ordem socioeconômica e racial. Segundo Maria da Piedade, “mesmo com a queda das desigualdades raciais, os indicadores para a população branca são bem mais favoráveis que os da população preta e parda, como é o caso da falta de acesso a água, esgoto e saneamento básico adequados. A proporção da
população preta e parda que sofre desses problemas é cerca do dobro da população branca”, comenta, analisando os indicadores urbanos de 2001 a 2006.
Outra disparidade é observada entre as regiões brasileiras. “As desigualdades regionais no acesso a saneamento básico adequado ainda permanecem em patamar bastante elevado, tendo inclusive aumentado a distância entre os indicadores da região mais bem servida de saneamento, o Sudeste, e a que tem os piores indicadores, o Norte”, declara Maria da Piedade. Segundo a pesquisadora, o percentual de moradores em domicílios particulares permanentes urbanos sem saneamento básico adequado, considerando água, esgoto e lixo simultaneamente, alcançava 59,5% na região Norte em 2006; na região Centro-Oeste era de 53,1%; na região Nordeste, de 44,3% na região Sul, de 21,0%; e na região Sudeste, o déficit de saneamento era de apenas 10,7%.
Esses problemas foram discutidos no workshop intitulado Saneamento, Saúde e Meio Ambiente, organizado em março pelo Ipea, em Brasília. O termo saneamento engloba vários itens, entre eles abastecimento de água,esgotamento sanitário, tratamento de resíduos sólidos e drenagem urbana. Dados da Pnad informam que 73,2% da população urbana possui os serviços de saneamento adequado – água canalizada de rede geral, esgoto por rede geral ou fossa séptica e coleta direta e indireta de resíduos sólidos.
Numa comparação internacional, o Brasil também não faz boa figura. Em serviços de esgoto, a cobertura no país está três pontos percentuais abaixo da média da América Latina e do Caribe e a uma distância de 15 pontos percentuais da Argentina e do Chile. Na comparação com a cobertura média de esgoto dos países desenvolvidos, o Brasil está mais de 20 pontos percentuais abaixo.
Ronaldo Serôa da Mota, pesquisador do Ipea e atual diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), afirma no livro Regulação e Concorrência no Brasil: Governança, Incentivos e Eficiência que, “a despeito do crescimento na cobertura dos serviços, o acesso das camadas mais pobres da população está ainda muito abaixo daquele usufruído pelos mais ricos”. Cita
dados dos censos demográficos de 1980 a 2000 e mostra que as famílias com renda acima de dez salários mínimos têm cobertura de água 50% maior e, na coleta de esgoto, quase 100%, concluindo que os investimentos, embora majoritariamente públicos, “não conseguiram anular os efeitos da concentração de renda”.
Metas
A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2008 como o International Year of Sanitation (que as organizações do setor no Brasil traduziram como o “Ano Internacional do Saneamento”). Segundo a engenheira sanitarista Mara Carneiro de Oliveira, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, ações estão sendo implementadas na área de saneamento tendo em conta a relevância e urgência do tema, como os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O plano prevê que, até 2010, mais 24,5 milhões de pessoas terão abastecimento de água e mais 25,4 milhões terão coleta adequada de esgoto (ver o texto “Os números do PAC de Saneamento” na página 36). A expectativa do governo brasileiro é de alcançar em quatro anos a meta relativa a saneamento dentro do objetivo de garantir a sustentabilidade ambiental, estabelecido pela ONU como um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM): reduzir à metade a proporção da população sem acesso permanente e sustentável a água potável e esgotamento sanitário até 2015.
Mara Carneiro também ressalta as conexões entre saúde, urbanização e meio ambiente, fato reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cujo Programa de Cidades Saudáveis tem projetos-piloto no Brasil.
Como reflexo da abundância de água doce no território nacional, o Brasil, neste quesito, está melhor.A pesquisadora Maria da Piedade é otimista.
“Considerando que a proporção da população urbana com cobertura pelos serviços de abastecimento de água por rede geral canalizada no interior do domicílio em 1992 – anobase para o estabelecimento da meta – era de 82,3% e que a meta para 2015 é alcançar 91,2% da população urbana,mantido o ritmo de crescimento da cobertura desses serviços, que foi de 0,61 ponto percentual ao ano entre 1992 e 2006, o Brasil deverá atingir a meta referente ao acesso a água potável nas áreas urbanas em breve”, diz ela. Por outro lado, segundo Maria da Piedade, nas áreas rurais as metas ainda demorarão a ser cumpridas.
Quanto ao esgoto sanitário, o país tem problemas que vão desde a insuficiência de indicadores adequados à falta de consenso sobre qual seja o método ideal de tratar os dejetos. Para alguns especialistas, o sistema de fossa séptica não resolve porque faz o tratamento primário de esgoto doméstico, mas não o processo completo realizado por uma estação de tratamento, o que poderia, com o tempo, atingir os lençóis freáticos e
poluir rios e o solo.Mas apenas assumindo o sistema de fossas sépticas como aceitável para as áreas urbanas, somado às redes coletoras, é que o país poderá atingir os objetivos de desenvolvimento da ONU no prazo previsto.
Três Décadas
Maria da Piedade estima que, no caso da cobertura dos serviços de esgoto por rede geral ou fossa séptica nas áreas urbanas, cuja taxa de crescimento média observada entre 1992 e 2006 foi de 0,85 ponto percentual ao ano, bastará manter esse ritmo para que a meta seja alcançada num prazo de seis anos. Contudo, se for considerado adequado apenas o atendimento da população por rede geral de esgoto, as possibilidades de cumprimento da meta são mais remotas e podem demorar quase três décadas”, ressalta ela.
A pesquisadora do Ipea reconhece que “os investimentos do PAC na área de saneamento acelerarão a velocidade de convergência do país em direção às metas da ONU”, mas adverte que “as médias nacionais escondem sempre importantes desigualdades regionais e socioeconômicas e é provável que a meta deixe de ser cumprida para alguns grupos e regiões específicos”. Maria da Piedade defende a focalização dos recursos nas regiões e populações mais vulneráveis e a manutenção dos investimentos em níveis elevados por um
período mais longo, e não somente entre 2007 e 2010, como prevê o PAC.
Em seu livro, Serôa da Motta também diz que “as estimativas das necessidades de saneamento no Brasil ainda sugerem um esforço de investimento bastante significativo. Para atingir metas razoáveis de cobertura de serviço nos próximos 20 anos, estimou-se um montante de investimentos na ordem de US$ 60 bilhões. Isso significaria uma taxa de inversão anual de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no período”.
Rogério de Paula Tavares, superintendente de saneamento e infra-estrutura da Caixa Econômica Federal, contudo, tem uma interpretação positiva. “É um volume de recursos nunca antes visto em termos de investimentos no setor”.
Cita que, em 2007, a Caixa viabilizou recursos de R$ 3,2 bilhões e os repasses não onerosos pelo Ministério das Cidades (MC) ultrapassaram R$ 8 bilhões”. Segundo ele, a meta de R$ 40 bilhões de investimentos será alcançada e vai “fazer a diferença em termos do setor no Brasil.”
A Melhorar
O governo federal também tem a visão de que há muito a melhorar em saneamento. Segundo o secretário nacional de saneamento ambiental do MC, Leodegar Tiscoski, “os números do Brasil na água são razoáveis, mas no esgoto são realmente muito ruins.Apenas 48% do esgoto é coletado no Brasil e só 32% desse volume é tratado”. Ele diz que no resto do mundo os números não são muito diferentes,mas isso não deve servir de consolo. “No mundo, há 2,5 bilhões de pessoas sem saneamento, e 1 bilhão delas são crianças. Os índices
da Organização Mundial da Saúde apontam que 1,5 milhão de crianças morrem anualmente por falta de investimentos em saneamento”, afirma.
Para a pesquisadora Maria da Piedade, é preciso aumentar os recursos destinados à coleta e tratamento de esgoto, dentro de um conjunto de ações de universalização da água e esgotamento sanitário adequado que leve em conta as diferenças regionais e sociais. “O aporte de recursos deve visar principalmente áreas ocupadas pela população de baixa renda, os negros, os moradores de assentamentos precários, periferias de grandes cidades,
municípios de pequeno porte e áreas rurais, segmentos em que o déficit de saneamento adequado ainda é muito elevado. As desigualdades regionais também são um importante desafio. Indicadores de acesso a saneamento adequado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste estão bem abaixo dos das regiões Sudeste e Sul”.
O diretor de articulação institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do MC, Sérgio Antônio Gonçalves, chama a atenção para um dos principais problemas do saneamento, o esgotamento sanitário. A maioria dos resíduos é enterrada ou vai parar em rios, diz, com apenas um terço do esgoto coletado recebendo algum tipo de tratamento.”O esgoto é a grande dívida do saneamento. O desafio de coleta é grande e o de tratamento é maior ainda.”
Outro ponto fundamental no setor é a questão da saúde. As estatísticas indicam que quanto mais se investe em saneamento, menos é preciso gastar em saúde. O assessor especial do ministro da Saúde, responsável pelos departamentos de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Guilherme Franco Netto, defende a vigilância da qualidade da água como fator preponderante para a “interação entre as políticas de saúde e meio ambiente”. Ele cita
como exemplo um agricultor que provoque erosão e poluição nos rios,o que irá diretamente afetar o ser humano que se alimentar de peixes não-saudáveis. O assessor defende também que a população seja vigilante dos seus direitos quanto aos serviços de saneamento.
Também é fundamental para a saúde a qualidade da água, que deve não só ser potável para ingestão direta,mas adequada ao preparo de alimentos, higiene pessoal, agricultura, higiene do ambiente, processos industriais e atividades de lazer. Maria da Piedade também alerta que “a qualidade disponível para consumo humano tem sido um problema cada vez mais
preocupante em muitas cidades, sobretudo nas grandes metrópoles”.
Nessas áreas,a degradação dos recursos hídricos, causada pela superposição de problemas como poluição doméstica e industrial e a ocupação irregular de encostas, alagados, várzeas e beiras de rio, compromete a capacidade de abastecimento dos mananciais. “O resultado é a escassez de água adequada para consumo humano e a degradação do meio ambiente”, sentencia, citando que a existência de esgoto a céu aberto foi apontada pelos gestores municipais como um dos principais problemas ambientais a afetar a qualidade de vida da
população,de acordo com a Pesquisa Básica de Informações Municipais do IBGE.
*Constituição*
Para Sérgio Antônio Gonçalves, do MC, o problema vai além de verbas e investimentos. Ele argumenta que, apesar do esforço recente de integração entre diversos órgãos governamentais que atuam no saneamento, os problemas gerenciais persistem e o Brasil precisa superar a fragmentação das políticas públicas “Muitos ministérios fazem saneamento. O governo não sabe exatamente quanto se gasta no setor”,diz.
Segundo Gonçalves, a Constituição Federal de 1988 foi um marco para o setor, permitindo que prefeituras, governos estaduais e o governo federal se associem para prestar os serviços. No entanto, ainda hoje há divergências sobre a titularidade dos serviços. A disputa jurídica tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1998 para decidir a quem compete prestar o serviço.
O pesquisador do Ipea Valdemar Ferreira de Araujo Filho, ex-integrante da Secretaria Nacional de Saneamento, diz que, “fora das regiões metropolitanas, o problema da titularidade está definido: o titular é o município”. Quanto às metrópoles, onde se concentra grande parte da população e os serviços são mais rentáveis, ele estima que “o STF vai adotar
uma posição híbrida – tende a afirmar a titularidade municipal, porém definindo diretrizes para que a execução e a gestão dos serviços de saneamento ocorram de forma compartilhada. Caso isso se confirme, será uma perspectiva correta”, acrescenta, comparando essas áreas a “uma única cidade dividida em várias municipalidades”.
Segundo Sérgio Gonçalves,outro marco institucional do setor de saneamento é a Lei nº 11.445, sancionada em janeiro do ano passado, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal do setor.Valdemar Araujo pondera que “a lei apenas define competências para os diversos agentes intervenientes no setor e estabelece as diretrizes gerais para a execução da política. Necessita inclusive de regulamentação, mas é um avanço após cerca de 20 anos sem um marco regulatório geral”.
Serôa da Motta também cita em seu livro que parte da incapacidade de as empresas de saneamento retomarem o investimento deveu-se à manutenção de “suas desgastadas e viciadas práticas de gestão associadas a uma ausência de marco regulatório que introduzisse incentivos à eficiência.Paralelamente, o setor privado também não encontrava sinais regulatórios claros e estáveis para se expandir,e sua participação hoje não ultrapassa 4% da cobertura total do país, estando toda concentrada nas concessões municipais”.
O secretário nacional de Saneamento, Leodegar Tiscoski,diz que o investimento “multiplica o que vinha sendo gasto no setor, e só por isso já é válido. Vamos administrar para que os recursos sejam bem empregados”. Já Valdemar Araujo, do Ipea, diz que “ainda é muito cedo para avaliar o PAC, pois agora é que as contratações se iniciaram, mas do ponto de vista da
ampliação da cobertura dos serviços é um avanço”. Segundo ele, é preciso “saber se os investimentos terão continuidade e qual será o modelo de gestão do setor no futuro”.
Avaliar o PAC
A professora Clarice Melamed, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é mais pessimista quanto às ações de governo. “Temos problemas com o modelo de política pública e problemas de influência partidária”, diz, citando a favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde trabalha. E completa: “Muitas das teorias públicas não funcionam”. Clarice Melamed é ainda mais provocativa ao convidar todos os diretores e políticos envolvidos com saneamento a conhecer in loco a realidade das favelas cariocas. “Os mais pobres têm menos saneamento, é isto que temos que discutir”, reclama.
A professora critica também os gastos públicos. Segundo ela,”o governo não tem controle, falta transparência. É impossível ver aonde os recursos vão parar”. Já o secretário Leodegar Tiscoski afirma haver inúmeros critérios para os investimentos, tanto dos municípios como dos governos estaduais e até da iniciativa privada. “É todo um processo de seleção, fruto da busca de cada uma das operadoras, que são os mecanismos para execução desses recursos”. Quanto à fiscalização dos recursos, segundo ele,”o acompanhamento se dá por conta dos agentes financeiros, como a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”.
Os especialistas também reclamam da falta de indicadores confiáveis para a avaliação das políticas na área e de recursos para pesquisas. Clarice Melamed diz que, mesmo no ambiente acadêmico, as pesquisas têm pouco incentivo. “Procuramos indicadores como eficácia, eficiência, efetividade, e isso no Brasil é praticamente impossível”, diz a professora.
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