Negros no sul? Tem, sim senhor

Tema de carnaval do Ilê Aiyê homenageia os afrodescendentes do sul do Brasil e discute a invisibilidade dos negros na região

Cai a tarde em Salvador e, no bairro da Liberdade, numa conversa descontraída, nascia o tema do carnaval 2012 do Ilê Aiyê, o bloco afro mais tradicional da Bahia: Negros do sul. Lá também tem? Antonio Carlos dos Santos “Vovô”, presidente do Ilê, diz que a ideia inicial era falar de um tema ligado diretamente à África. “Foi numa conversa com um amigo, Fabio Goes, que surgiu uma proposta sobre negro de Londrina, e foi aí que pensei que poderíamos estender e mostrar os negros da região Sul”, conta.

O tema traz a interrogação (“Lá também tem?”) de propósito. “A ideia é quebrar a falsa discussão que no sul não há negros, existem até quilombos, e as pessoas desconhecem. A mídia não fala e as informações que chegam é que negro no sul é visita e dá para contar nos dedos. Mas há negros! Eles têm história e deram sua contribuição na construção dos Estados. A cultura negra está presente e é isso que vamos mostrar.” E essa história não será apenas contada no próximo carnaval. “Vamos deixar esse registro por meio das músicas que iremos criar, nos versos que serão compostos, nos cadernos de educação que irão circular por todo o Brasil. E o sul vai mostrar a sua cara preta”, diz Vovô.

A expectativa é que a ação do Ilê produza também outro efeito, além do reconhecimento de que há negros no sul, como o próprio reconhecimento de pessoas negras que desconhecem a importância de sua história e cultura. Vovô espera que esta ação tenha um efeito também sobre os jovens, que resgatem o orgulho de ser negro e assumam sua negritude.

Após uma agenda entre a ministra Luiza Bairros, da SEPPIR, e o segmento do carnaval, a Associação das Entidades Carnavalescas de Porto Alegre e Estado do RS convidou o Ilê para ir ao sul do país. Uma comissão foi formada para acompanhar o trabalho. A visita durou dez dias e passou pelas cidades de Pelotas, Rio Grande, Santana do Livramento, Santa Maria e Porto Alegre (no Rio Grande do Sul); Itajaí e Florianópolis (em Santa Catarina); e Curitiba e Londrina (no Paraná). Segundo o produtor cultural Otávio Pereira, “o objetivo foi articular apoio institucional e fomento de projetos com as autoridades locais e conversar com representantes das organizações sociais negras.”

O design Raimundo Santos, conhecido como Mundão, fotografou inúmeras referências da presença negra nos Estados. No Paraná, por exemplo, chamou a atenção a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, no mesmo local funcionava a igreja dos escravos que foi, inclusive, construída por eles por volta de 1737. As várias imagens coletadas farão parte da estamparia do bloco e estarão nos carros, nas roupas, nos camarotes e em todo material alusivo ao evento. “Juntei um estoque interessante de informações focado na simbologia afro nos Estados. Essa foi a primeira pesquisa de campo, agora vamos aprofundar o trabalho de produção visual para produzir todo material gráfico para o carnaval”, explica.

“TEMOS CIDADES ONDE O POVO NEGRO MARCA PRESENÇA, CHEGANDO A 80% DA POPULAÇÃO, COMO NO CASO DE RIO GRANDE E PELOTAS”

Para o jornalista brasiliense Michel Aleixo e Silva, o trabalho do Ilê Aiye, com ênfase no sul, produzirá um efeito interessante de divulgação, mostrando ao resto do país a importância da população negra. “Vejo que os maiores destaques da mídia tradicional são sempre esportistas, como Daiane dos Santos e jogadores de futebol, como Ronaldinho Gaúcho. Eles são os representantes mais expressivos de negros da região Sul. Não se fala tanto na história e na cultura afro desses Estados. É como se não existisse”, destaca o jornalista.

Fonte:Revista Raça

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