Nei Lopes – A cor da cultura brasileira

Ao longo da História do Brasil, o surgimento e o desenvolvimento de grandes nomes oriundos do povo negro foi, primeiro, dificultado pela escravidão, que negava a plena cidadania até mesmo aos pretos e pardos – ou seja, aos negros – livres ou libertos. Depois, com uma abolição desacompanhada de políticas educacionais e agrárias que possibilitassem ascensão social a esse segmento, seguida de uma política demográfica que visava o branqueamento da população, tornou-se ainda mais difícil a evolução almejada.

Apesar disso, aqui e ali, graças à filantropia ou outras influências, alguns nomes despontaram. Entretanto, a referência a origens africanas de grandes personalidades da vida nacional, sempre foi, no Brasil, um tabu, pois quase sempre era considerada ofensiva, pesando como uma difamação.

Essa ocultação das origens africanas de grandes vultos nacionais, associada à falta ou falsificação de suas iconografias, inclusive por fotografias retocadas, contribuiu lamentável e fatalmente para o desconhecimento sobre o peso real da contribuição de intelectuais, artistas e técnicos pretos e mulatos na formação da cultura brasileira ao longo dos anos. Assim, a verdadeira “cor” desta cultura foi muitas vezes mascarada.

Na maioria das publicações disponíveis – dissemos no texto introdutório de nossa Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (São Paulo, Selo Negro, 2004, reeditada em 2011) – a condição de “negro” define, no Brasil, mais uma categoria social do que uma afirmação de identidade. Os “grandes homens”, nessas publicações, quando afrodescendentes e pobres, são mencionados apenas como “nascidos em lar humilde” e não em sua dimensão étnica.

Paralelamente a isso, a mitificação da mestiçagem brasileira mascarou, ao longo dos anos, a verdadeira face de muitos desses grandes homens, mencionados como “mestiços geniais”, quando sua aparência física denunciava eloquentemente a predominância de sangue africano em sua composição biológica.

Embora rechaçada pelo pensamento conservador contemporâneo, a determinação numérica da presença de descendentes de africanos no Brasil é uma questão de Estado.  Na luta por melhores condições sociais, numa sociedade em que os pretos e pardos (negros) são sempre maioria nas camadas mais baixas, é plenamente justificável a afirmação da identidade dos descendentes de africanos. E isto da mesma forma que se justifica a existência dos milhares de associações étnicas nacionais que aglutinam, legitimamente, milhares de imigrantes e descendentes, de origem europeia e asiática, por todas as grandes cidades brasileiras.

Do ponto de vista psicológico, dar visibilidade às realizações da inteligência e do talento dos afro-brasileiros é um reforço à autoestima de toda uma enorme população. Os exemplos históricos e contemporâneos – bem além dos notórios Aleijadinho, André Rebouças, Cruz e Souza, Lima Barreto, Luiz Gama, Machado de Assis, Padre José Maurício, etc. – estão à mão.

Artistas da palavra, mágicos das cores, escultores de sons, donos e donas do corpo, cientistas e humanistas, lideres e comandantes e lideres eis aqui alguns deles, em rápida e breve listagem:

Abdias do Nascimento (1914 – 2011), político, artista, escritor e líder panafricanista de renome internacional;

Anacleto de Medeiros (1866-1907) maestro, compositor;

Antenor Nascentes (1886 – 1972), filólogo e dicionarista;

Antônio Rebouças (1839-1874), mestre da engenharia ferroviária;

Assis Republicano (1897-1960), maestro, autor da orquestração do Hino Nacional;

Basílio da Gama (1741-1795), poeta;

Benjamin de Oliveira (1872-1954) ator e dramaturgo pioneiro;

Caetano Lopes de Moura (1780-1860), médico de Napoleão Bonaparte;

Carlos Gomes (1836-1896), autor da ópera “O Guarani”;

Crispim do Amaral (1858-1911), cenógrafo da Comédie Française;

Dom José Maria Pires (1928 -), cardeal arcebispo;

Dom Lucas Moreira Neves (1925 – 2002), cardeal primaz do Brasil;

Edison Carneiro (1912-1972), etnólogo pioneiro;

Evaristo de Morais (1871-1939), um de nossos maiores advogados;

Felipe Alberto (1824-1887), educador pioneiro;

Francisco Braga (1868-1945), maestro, autor da melodia do “Hino à Bandeira”;

General Glicério (1846 – 1916) militar e político;

Gonçalves Dias (1823-1864), poeta indigenista;

Goya Lopes (c. 1960 -) designer têxtil;

Guerreiro Ramos (1915-1981), fundador da sociologia brasileira;

Hemetério José dos Santos (1858 – 1939); filólogo e gramático, catedrático dos colégios Pedro II e Militar;

Henrique Alves de Mesquita (1836-1906), compositor erudito;

J. C. Soares de Meireles (1797-1868), fundador da Academia Imperial de Medicina;

João Cândido (1880-1911); herói militar, líder da Revolta da Chibata;

João da Veiga Murici (1806-1890), filólogo;

Joaquim Barbosa Gomes, (1954 -), magistrado, ministro do STF;

Joaquina Lapinha (séc. XIX), cantora lírica;

Joel Rufino dos Santos (1941 -), historiador e escritor;

Johnny Alf (1929 – 2010), pianista e cantor, pioneiro da bossa-nova;

José Teófilo de Jesus (1758-1847), pintor sacro;

Juliano Moreira (1873-1933), fundador da psiquiatria brasileira;

Júlio César Ribeiro de Souza (1843-1887), pioneiro da aviação, inventor de aeróstatos;

Manuel Friandes (1823-1904), arquiteto;

Manuel Vitorino (1854-1903), governador da Bahia e vice-presidente da República;

Mestre Valentim (1750-1813), escultor;

Milton Santos (1926 – 2001), geógrafo;

Natividade Saldanha (1796-1830), poeta;

Nilo Peçanha (1867 – 1927), presidente da República;

Paula Brito (1809-1861), editor, escritor e jornalista;

Paulo Silva (1892-1967), maestro, professor da Escola Nacional de Música;

Pixinguinha (1897-1973) , arranjador e instrumentista;

Pompílio da Hora (1915 -), jurista e latinista;

Rodrigues Alves (1848-1918), presidente da República;

Santa Rosa (1909-1956), pintor, ilustrador e cenógrafo;

Sebastião José de Oliveira (1918 – 2005), entomologista;

Teodoro Sampaio (1855-1937), cientista multidisciplinar;

Timóteo da Costa (1879-1932), pintor ;

Tito Lívio de Castro (1864-1890); médico e escritor científico ;

Tobias Barreto (1839-1889), filósofo;

Visconde de Jequitinhonha (1794 – 1870), presidente do banco do Brasil, co-fundador da Ordem dos Advogados ;

Walter Firmo (1937-), fotógrafo de renome internacional etc.

A todos eles, e aos muitos aqui não mencionados, nosso respeito, nossa gratidão. E nossos votos de que, com um novo foco sobre suas vidas e obras, a efetiva cor da cultura brasileira (com o amálgama de todas as tintas) seja, um dia, afinal reconhecida e admirada.  Aproveitamos para recomendar a visita a alguns dos nossos   “heróis” no site d’A Cor da Cultura (www.acordacultura.org.br), projeto de valorização da cultura e história afro-brasileira e africana e que apoia a implementação da Lei 10639/03, através da formação de educadores para uso do kit pedagógico composto por materiais impressos, lúdicos e audiovisuais. A Cor da Cultura é fruto de parceria entre o Canal Futura, Petrobras, Mec, Seppir, Cidan, Tv Globo e Fundação Cultural Palmares e atua desde 2004 em mais de 65 munícipios brasileiros.

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Fonte: A Cor da Cultura

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