Nelson Mandela, o líder político contra o racismo. Por Dennis de Oliveira

Nelson Mandela é um ícone da luta contra o apartheid, contra o racismo e pelos direitos humanos. Por isto, virou uma unanimidade. Assim, neste momento de homenagens ao grande líder, cada um lê a sua trajetória da forma que mais lhe convém. Muitos querem exaltar a sua personalidade de “conciliador”, “que sabia perdoar”, numa perspectiva moral e cristã. Citam como exemplo disto, o fato de Mandela ter sido um dos líderes do grande acordo que pôs fim ao apartheid.

Esquecem, entretanto, que este acordo só foi possível porque, em determinado momento, o CNA (Congresso Nacional Africano) optou pela rebelião armada por meio do grupo “Lança da Nação” (com apoio de Mandela) em função dos canais institucionais e de negociação estarem totalmente fechados. Esquecem também que o acordo só saiu porque o regime do apartheid ficou isolado mundialmente por conta da grande campanha mundial tocada pelos movimentos sociais que denunciaram as atrocidades do regime segregacionista. Assim, a negociação saiu por conta da “pressão” política – exercida, inclusive, pela rebelião armada – que não deu outra opção ao regime de segregação de fazer um acordo.

Por isto, Mandela é, antes de tudo, um grande líder político, que foi capaz de fazer as leituras de cada momento e propor as opções mais adequadas em cada um destes momentos, seja a rebelião armada, seja a luta institucional, seja a negociação. Negociações ocorrem somente por pressão e não apenas porque um dos lados é “bonzinho”. Comparar Mandela a De Klerk, por exemplo, é um desatino – como foi o caso quando premiaram ambos com o Nobel da Paz em 1993. De Klerk, último presidente do regime de segregação, só tocou o processo de negociação porque estava isolado, sem opções e, assim, “cedeu o anel para não perder os dedos”. E isto foi feito precedido da eliminação de lideranças radicais do CNA para que estas não pudessem incentivar projetos de ruptura mais radical, como foi o caso do assassinato do vice-presidente do CNA, Chris Hani, que também era dirigente do Partido Comunista da África do Sul e tido por muitos como sucessor de Mandela.

Esta imagem apolínea de um Mandela pacífico pode criar uma aura de “simpatia” ao “bom velhinho”, mas reduz drasticamente quem foi o líder do CNA: um bravo batalhador pelos direitos humanos, um combatente tenaz contra o regime do apartheid e a dominação branca na África do Sul. A sua identidade negra expressava-se, por exemplo, quando ele dançava nas cerimônias públicas, já como presidente, no mesmo ritmo que os jovens de Soweto e com o seu desejo de ser enterrado nas montanhas, próximo ao local onde nasceu. Identidade esta reconhecida com as homenagens que o povo sul-africano lhe prestam neste momento, também dançando em frente a sua casa, dando o recado que a luta por uma África do Sul mais justa continua firme e forte.

Nelson Mandela, o líder político contra o racismo. Por Dennis de Oliveira
Nelson Mandela, o líder político contra o racismo. Por Dennis de Oliveira

P.S. – Só para lembrar que a Naspers, empresa sócia da Editora Abril, que edita a revista Veja que com certeza vai prestar homenagens ao “pacifista” Mandela”, foi uma das maiores apoiadoras do apartheid.

 

Fonte: Revista Fórum

+ sobre o tema

Afro-uruguaios

Afro-uruguaios notáveis: Rubén Rada Afro-uruguaios refere-se a uruguaios de ancestralidade negra africana. Eles...

Jesus Chucho Garcia: HAITÍ …..el costo de la dignidad histórica

Occidente históricamente no perdona que ese pueblo de esclavizados...

Jovens criam loja virtual com produtos do continente africano

Por dentro Da África Rio – Ele vive no Brasil...

Primeira negra a ganhar ouro olímpico, Alice Coachman morre aos 90 anos

Americana conquistou medalha no salto em altura nas Olimpíadas...

para lembrar

Com Robinho, Manchester City encontra Nelson Mandela na África

Robinho se apresentou ao Manchester City a tempo de...

Estado de Mandela tem ‘progressos’, diz governo da África do Sul

O estado de saúde de Nelson Mandela registrou "progressos",...

Estado de saúde de Mandela se agrava e presidente sul-africano cancela viagem

O estado de saúde do ex-presidente da África do...

Nelson Mandela «está bem», garante ex-mulher

Nelson Mandela, que continua a fazer um tratamento intensivo...
spot_imgspot_img

Mia Couto e a escravidão africana de culpa dos africanos

Na Folha de São Paulo, lemos o texto “Africanos não foram só vítimas da colonização, afirma escritor Mia Couto”. Nele, podemos ver que “É preciso...

Com perfis do acadêmico ao ativista, empreendedores africanos valorizam raízes na moda

As histórias de empreendedores africanos no Brasil têm origens tão diferentes quanto os países do continente. Em um olhar sobre o setor de moda, encontram-se desde...

Relações África-América Latina: o legado de Desmond Tutu

O falecimento do arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, em 26 de dezembro de 2021, nos faz recordar o pouco interesse latino-americano em temas africanos....
-+=