No Brasil, “Ferguson” acontece todos os dias

Nos últimos cinco anos, a polícia brasileira matou mais do que a dos Estados Unidos nas últimas três décadas

Por Vinicius Gomes no Revista Fórum 

Na esteira do não indiciamento de Darren Wilson, o policial branco que assassinou Michael Brown, um jovem negro da cidade de Ferguson, no Missouri, Mac Margolis, o colaborador do portal norte-americano Bloomberg View e residente no Brasil, disse que um amigo seu brasileiro, durante uma conversa sobre os protestos e manifestações que atingiram mais de 170 cidades dos EUA, mostrou pouco interesse sobre a morte com seis tiros do jovem desarmado. Margolis logo justifica: “Racismo, policiais fora-da-lei e justiça cega são tão familiares [aos brasileiros] quanto as Havaianas e folhas de palmeira”.

Os dados que o norte-americano dispõe em seu texto são alguns dos quais muitos brasileiros não têm noção: a polícia brasileira matou 2.212 pessoas em 2013, segundo um estudo publicado no início de novembro desse ano. Outro número chocante é que 11.200 vidas brasileiras foram tiradas pela violência policial nos últimos cinco anos. Isso representa mais do que todas as forças policiais de todos os estados dos EUA nos últimos 30 anos: 11.090 pessoas mortas.

Outras pesquisas, que são igualmente perturbadoras, servem para colocar em xeque aqueles que rejeitam o fato de que uma pessoa de pele negra está muito mais sujeita à violência policial do que uma pessoa de pele branca. De acordo com o estudo do economista Daniel Cerqueira, de 2009, onúmero de vítimas negras da violência policial é o dobro da de brancas e outro estudo realizado pela Universidade de São Carlos mostrou que, ainda que os negros correspondam a 34% da população paulista, eles totalizam 58% dos mortos pela polícia. Como afirmou o sociólogo Ignacio Cano, especialista em crime e violência policial: “Nossa polícia mata às centenas. Nós temos um ‘Ferguson’ todo dia”.

Um estudo de 2005 conduzido pela Florida State University já mostrava que policiais brancos estavam mais propensos a atirar em uma pessoa negra desarmada do que em uma pessoa branca armada. Foi criada até mesmo uma lista de 10 homens brancos que de fato confrontaram a polícia com arma e, mesmo assim, não foram mortos.

Todavia, o Brasil ainda é um país mais violento, afinal, em um lugar onde 22 pessoas são mortas a cada 100 mil habitantes – uma taxa quatro vezes maior que a dos EUA – não é surpresa alguma que grande parte da população brasileira ainda acredite na frase “bandido bom é bandido morto”.

Foto de Capa: Megan Sims/Reprodução Twitter

+ sobre o tema

Jornalista negra posta foto nas redes sociais e sofre enxurrada de ataques racistas

Em apoio à jornalista Cristiane Damacena, vários internautas também...

Pobreza também é comorbidade

O que vai mudar daqui pra frente? Até voltarmos...

Herdeiro de Mãe Bernadete vai contratar perícia particular para investigar assassinato

A família da líder quilombola Bernadete Pacífico, que foi assassinada a...

para lembrar

Pimenta, saberes e ciência

Eu nasci em 1969 de parto natural — atravessado,...

Dilma sanciona lei que cria cota de 50% nas universidades federais

Presidente determinou que a seleção dos estudantes seja pelo...

Ministério Público garante punição a racistas do Orkut

Depois das demonstrações de preconceito e racismo postadas...
spot_imgspot_img

Não é sobre o Oscar, nem sobre uma corrida de 15km com ótimo pace

Passamos pela premiação do Oscar sem nenhuma menção direta aos incêndios de Los Angeles. Acho que, em momentos difíceis, o público valoriza o escapismo...

Miopia econômica

O avanço da onda antidiversidade e anti-inclusão (coisa que vem sendo especialmente estimulada pelos EUA) começou a surtir efeitos negativos de grande impacto no...

‘Piada’ de ministro do STJ prova como racismo está enraizado no Judiciário

Ontem, o ministro do STJ João Otávio de Noronha, em tom de "piada", proferiu uma fala preconceituosa sobre baianos durante uma sessão de julgamento. A suposta...
-+=