Na Palestina, onde nasci, hoje Graça Aranha (MA), não falávamos Dia de Natal, mas Dia do Nascimento. Após ler “Um Cântico de Natal” (1843), de Charles Dickens (1812-1870), vi que a data era a mesma. Ter lido um clássico natalino universal num lugar no meio do nada, onde quase ninguém sabia ler, há quase meio século, deixa-me emocionada.
Fonte: O Tempo
por, Fátima Oliveira
“Um Cântico de Natal” não é a rigor um livro infantil, mas é encantador. Charles Dickens conta que o avarento Ebenezer Scrooge detestava o Natal. Mudou de ideia depois das visitas do Espírito dos Natais Passados; do Espírito dos Natais Presentes; e do Espírito dos Natais Futuros.
Na Palestina do meu tempo de criança, nada de Missa do Galo (não havia padre!) e ceia de Natal. Nem presentes. No Ano-Novo havia o pagamento de alvíssaras: prenda que se dá a quem traz boas novas. O almoço do Dia do Nascimento na casa dos meus avós maternos era um banquete com leitoa e peru devidamente engordados em casa.
No sertão, “o centro da comemoração era o Menino Jesus, daí a imperiosa presença dos presépios e da ‘tiração de reis’ – apresentação de reisados, autos natalinos de uma beleza indescritível… Não havia a cultura de Papai Noel nem de presentes. Isso era lá no sertaozão bravo, porque na capital, São Luís do Maranhão, o Natal já era infestado de Papai Noel, ceia de Natal e que tais, embora até hoje os presépios sejam venerados” (“Os rituais gastronômicos do Natal celebram o Menino Jesus?”, O TEMPO, 22.12.2009).
Na adolescência, li sobre os mercados de Natal na Alemanha e fiquei fascinada. Quando morei em São Paulo, tive uma vizinha alemã cujo maior desejo era voltar à Alemanha para visitar os mercados de Natal, que ela descrevia como um mundo mágico, relembrando que, anualmente, sua família visitava três mercados, que em nada se pareciam com a comercialização do Natal a que assistimos hoje. No sul da Alemanha, recebem o nome de Mercado de Natal do Menino Jesus; no essencial, “nada mais é do que uma feira ao ar livre com comidas e bebidas típicas. Também tem artesanato, uma árvore de Natal bem grande e um presépio em tamanho real” (Maracy, do blog “Pequenos pelo Mundo”).
O Mercado de Natal é tradição cristã alemã que remonta à Idade Média. Em 2013, foram realizados 1.450 em toda a Alemanha, instalados pouco antes do Domingo do Advento e encerrados no dia 23 ou 24 de dezembro. O mercado de Frankfurt existe desde 1393; o Striezelmarkt, em Dresden, desde 1434; o de Nuremberg, o mais famoso, desde 1628. Há mercados de Natal de grande expressão em Copenhague, Dinamarca; Bolzano, Itália; Helsinque, Finlândia; Talin, Estónia; e Barcelona, Espanha.
Nos centros urbanos brasileiros há algo similar: bazar de Natal, sem a dimensão de feira/mercado de Natal, com produtos a preços baixos; e, em geral, são eventos cuja renda tem fins caritativos. “O bazar teve origem em tempos antigos, chegando a se tornar cenário de muitas histórias clássicas, como em ‘As Mil e Uma Noites’”.
Quando li que um caminhão carregado de aço atingiu intencionalmente uma multidão no mercado de Natal em Berlim (19.12), no qual morreram 12 pessoas e 48 ficaram feridas, senti um misto de espanto e dor. E de imediato entendi que o que restava de espírito natalino seria enterrado com as vítimas. Dizem que o atentado não tem sentido religioso, porém a escolha da data e do evento dizem muito.
Cada atentado com a marca do terror é um escárnio à visão de paz, que não prescinde da compreensão de que a Terra e tudo que nela há nos foi dada para usufruto coletivo; logo, a paz não será alcançada num mundo de desigualdades sociais.