Nos despedimos de Haroldo Costa, referência da cultura negra

14/12/25

A morte de Haroldo Costa não é apenas a perda de um intelectual, artista e pesquisador. É uma pausa estranha, dessas que acontecem quando o samba parece perder o compasso por um instante, mas segue. Haroldo dedicou a vida a contrariar o esquecimento, um projeto histórico tão eficiente quando se trata de apagar a presença negra na formação do Brasil.

Ainda jovem, foi apresentado ao Teatro Experimental do Negro a partir de um gesto simples, eu pai levou para casa um panfleto. Foi assim que Haroldo conheceu o TEN, encontrou Abdias do Nascimento e entendeu, muito cedo, que cultura negra não era só expressão artística, mas ferramenta política, espaço de formação e afirmação. Aquele encontro marcaria definitivamente seu percurso.

YouTube video

Haroldo nunca tratou a cultura como adereço. Para ele, cultura era trabalho, embate, responsabilidade. Atuou no teatro, escreveu, produziu, pesquisou o samba e a cultura negra quando isso ainda não rendia prêmios nem prestígio acadêmico. Insistiu por décadas em algo que o Brasil reluta em admitir: não há como contar essa história sem colocar o povo negro no centro.

Seu esforço não era o de transformar a experiência negra em espetáculo ou curiosidade. O que Haroldo fez foi organizar memória. Olhou para o samba, o carnaval, o teatro e a tradição oral como quem sabe que ali existe pensamento acumulado, inteligência coletiva, método político organizado.

Nunca partiu da ideia de que a cultura negra precisava ser “incluída”. Ela sempre esteve ali. O problema era outro: entender por que foi sistematicamente silenciada, ao mesmo tempo em que era explorada como símbolo nacional.

Essa tensão aparece em Haroldo Costa – O Nosso Orfeu (2015), quando ele diz: “Ser preto no Brasil é complicado, porque de um lado você tem que corresponder às expectativas, e do outro tem que se proteger dessas mesmas expectativas. […] O que eu acho mais importante em tudo isso é que ser preto no Brasil é uma tarefa.”

YouTube video

Num país que vive em permanente disputa sobre quem tem direito à memória, Haroldo Costa deixa uma obra em circulação. Livros como Fala, crioulo: o que é ser negro no Brasil (anos 2009) e Na cadência do samba (anos 2000) seguem como referência para a leitura crítica do Brasil.

Geledés – Instituto da Mulher Negra lamenta a morte de Haroldo Costa, se solidariza com familiares, amigas, amigos e com toda a comunidade cultural negra, e agradece sua contribuição para a cultura, a memória e o pensamento negro no Brasil

Compartilhar