“Nós, negros, não somos covardes. Resignados, sim”, por : Marcos Sacramento

por Marco Sacramento para o Diário do Centro do Mundo

Talvez você nunca tenha ouvido falar de Homeboy Sandman. Eu mesmo não o conhecia até ler o polêmico artigo em ele chama os negros de covardes. O texto do rapper critica a atitude dos jogadores do Los Angeles Clippers após um comentário racista feito pelo dono do time de basquete, Donald Sterling.

Para Sandman, que se afirma como negro, o protesto dos jogadores, que vestiram meias e munhequeiras pretas e as camisas ao avesso, foi uma ação covarde. Para ele, o mais digno seria iniciar um boicote na NBA.

O artigo dividiu opiniões na comunidade negra, ainda mais porque Sandman não focou só no protesto dos Clippers. Ele bate na apologia ao estilo gangstar rap e na suposta apatia dos negros perante outros casos de discriminação racial.

A paulada de Sandman me  fez refletir se os negros brasileiros são covardes. Seria leviano da minha parte afirmar que sim. Duas polêmicas recentes bastam para acabar com meus argumentos: a briga judicial de Thiago Ribeiro contra Danilo Gentili (relatada aqui no DCM) e o episódio de discriminação racial contra a estudante Stephanie Ribeiro na PUC de Campinas. Os dois Ribeiros (até onde sei não são parentes) foram corajosos ao reagir a agressões desproporcionais e expor suas vidas na internet.

Nós, negros, não somos covardes

Mas se não há covardia entre os negros, acredito que haja resignação. Muitos negros ainda adotam uma postura complacente diante das contradições raciais existentes no país. Talvez influenciados pelo mito de que vivemos em uma democracia racial e mestiça, protegem-se sob as inúmeras matizes existentes entre o branco do europeu e o preto do africano. Admitem-se morenos, mulatos ou pardos, nunca negros, a ponto de sentirem-se confortáveis com uma campanha que iguala todos a macacos.

Do que chamar um negro que não se indigna que a maioria dos trabalhadores em um canteiro de obras sejam pretos e na bolsa de valores sejam brancos? Ou o negro que não vê sinais de desigualdade racial no condomínio bacana onde mora, no qual todos os vizinhos são brancos e os funcionários da limpeza negros?

Os americanos usam o termo Uncle Tom para se referir aos negros subservientes aos brancos em troca de vantagens e integração entre eles. Algo como um capitão do mato manso e que não faz trabalho sujo.

Prefiro chamar-nos de resignados mesmo.

Não acho que os negros brasileiros devam seguir à risca as sugestões de Sandman. Aliás, o que ele propôs é mais adequado à realidade norte-americana, onde os reflexos de uma discriminação institucionalizada pelo Estado ainda são muito evidentes.

Por outro lado, ainda há muitos negros iludidos de que “o racismo está nos olhos dos outros”, que as piadas do Danilo Gentili foram só mal entendido ou que o Luciano Huck e um negro teriam tratamento igual em uma loja nos Jardins.

Dias atrás vi no TED a palestra de Mellody Hobson, presidente de uma empresa de investimentos.

Ela defende a necessidade de se falar sobre racismo, colocar o assunto à tona e discutí-lo, por mais desconfortável que seja. Sendo negra e atuando no mundo corporativo, ela poderia muito bem optar por se esquecer ou relevar discriminações sofridas e resignar-se por ser uma anormalidade nas estatísticas raciais do seu país. Mas preferiu fazer diferente e suas ideias estão circulando mundo afora.

Mellody nos lembra que para sair da resignação não é preciso incendiar carros ou fazer greves contra empregadores brancos. Basta admitir-se como negro, ter olhar crítico para as contradições raciais presentes em qualquer esquina e esquecer de uma vez por todas a falácia da democracia racial no Brasil. Depois que a resignação vai embora, partir para a boa ação fica mais fácil.

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Sobre o Autor

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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