Nós somos as mulheres que nunca serão suficientes

Desde muito pequenas aprendemos que não importa o quanto nos esforcemos para ser bonita e inteligente, ainda não temos consciência do racismo, mas o sentimento de não ser suficiente se faz presente em nós. Os nossos corpos por maior esforço que seja feito, não são os mais aceitos nas brincadeiras da escola, e o nosso cabelo por mais alisado que estivesse, mesmo sendo tão novas, ainda havia algo de errado. Assim como, ainda havia algo de errado com nossos lábios grossos com o batom que estava na moda, as coisas só ficavam bonitas nas garotas brancas, as que “nasceram sendo aceitas”.

enviado por Juliana Santos Lopes do Medium

Foto- Juliana Santos Lopes

Ainda na infância experimentamos o primeiro amor, que na maioria de suas vezes é traumático, pois de alguma forma, mais uma vez experimentamos o sentimento de não sermos suficientes, e isso dói , faz com que procuremos em nós o que há de errado, mas tudo que está “errado” é a nossa cor. Antes de todas as possibilidades, mesmo que sejamos engraçadas, legais, apaixonadas, o racismo demarca os nossos corpos a fim de mostrar que não somos boas o suficiente, ou as vezes nos apaga de uma forma, a qual nem é notada a nossa existência.

Em algum momento de nossas vidas, passamos pelo processo de “torna-se uma mulher negra” como diz a autora Neuza Santos, o que quer dizer que reconhecemos quem de fato somos e construímos a nossa identidade , assim reconhecemos os processos de embranquecimento a qual estávamos expostas, sem ter uma consciência disso. Faz parte também dessa fase conhecer o nosso cabelo natural e assim passamos a buscar espaços de conhecimento, empoderamento, passamos a construir diariamente um projeto de auto amor . Dói,nos remontamos e desmontamos juntas, nem sempre temos o apoio da família, muitas se separam de seus companheiros. Se afirmar como uma mulher negra nos custa espaços, pessoas, mas seguimos firmes aprendendo e defendendo o nosso direito de existir.

As dores desse processo continuam presentes, afirmar nossa identidade, ser um corpo negro consciente não faz com que soframos menos . O racismo está presente em todas as fases, em toda a nossa vida, ele apenas toma formas diferentes, se mostrando nas entrelinhas mais obscuras, até os “você não é suficiente” explícitos, que muitas vezes você se matem forte ao escutar, mas no outro dia desmorona.

Você estuda, faz carreira dupla, de manhã os assuntos da faculdade, a noite as leituras sobre como empretecer as teorias , como recolocar as práticas de um ensino eurocêntrico para você e os seus. Estudar para muitas de nós tem sido mais que uma obrigação e sim um compromisso, você também se dedica ao seu auto cuidado, a se sentir bonita, fortalecida, anda respirando fundo, traçando novas estratégias para a sua saúde mental. Você está trabalhando arduamente para ser a mulher que você sempre quis, lidando com as suas dores , traumas, crises de pânico, mas em algum momento novamente você não será suficiente.

Não será suficiente para ser amada com respeito, ou não será suficiente para ser amada , você será irritada demais, livre demais, inteligente demais, ou inteligente de menos, você intimidará as pessoas ou elas terão medo de se relacionar com você. O problema não será você, todas as desculpas existentes serão dadas para dizer repetidamente o que você já sabe , que você não é suficiente, e é simples o motivo, você não é suficiente porque você nasceu uma mulher negra, e você vai se lembrar, porque você não foi suficiente aos 5 anos, aos 15 anos, aos 17 anos, aos 24 anos, mesmo tentando , se revisando, se melhorando, estudando, as vezes sendo menos inteligente, as vezes sendo mais inteligente, sendo calma , irritada. Sendo uma pessoa normal, que colocaram em um lugar de anormalidade por ser uma mulher negra.

Gostaria de dizer para todas nós hoje, no menor sinal de que não estão te achando suficiente, esteja atenta para se retirar, coloque na balança e se lembre que a sua saúde mental , a sua felicidade, que a mulher que você está lutando para ser sempre valerá mais, e ela é sua , você é de você mesma, você é tudo que mais importa, você é quem mais se entende quando o mundo e as pessoas cansam em dizer e demostrar que você não é suficiente, você é sua própria casa e o seu próprio lar , você é tudo de mais suficiente e bonito.

Gostaria de dizer para você que ama ,quer o bem de uma mulher negra, diga , demonstre , esteja atento aos seus padrões conscientes e inconscientes que tendem a testar o tempo todo a suficiência dessa mulher, conheça as suas lutas, conheça o seu coração, esteja atento quando esse mundo racista apontar os seus buracos e ela começar a não se tornar suficiente para você, não tenha medo, se questione de onde vem esse medo, não a trate como uma grande fortaleza, tenha cuidado, tenha amor, tenha afeto, o mesmo afeto e cuidado que vocês conseguem direcionar tão facilmente para as mulheres brancas. Mude o seu olhar, porque nós somos mais do que suficiente, em um mundo que cobra que sejamos dez vezes melhor. Nós estamos aqui nos esforçando para existir, melhorar de forma saudável, resistir, e até mesmo quando descobrimos o caminho de ser melhor para nós mesmas, porque não seriamos o melhor e suficiente para vocês.

Gostaria de terminar esse texto com as palavras de Bell Hooks em seu texto “ Vivendo de amor”:

O amor precisa estar presente na vida de todas as mulheres negras, em todas as nossas casas. É a falta de amor que tem criado tantas dificuldades em nossas vidas, na garantia da nossa sobrevivência. Quando nos amamos, desejamos viver plenamente. Mas quando as pessoas falam sobre a vida das mulheres negras, raramente se preocupam em garantir mudanças na sociedade que nos permitam viver plenamente. Geralmente enfatizam nossa capacidade de “sobreviver” apesar das circunstâncias difíceis, ou como poderemos sobreviver no futuro. Quando nos amamos, sabemos que é preciso ir além da sobrevivência. É preciso criar condições para viver plenamente. E para viver plenamente as mulheres negras não podem mais negar sua necessidade de conhecer o amor.

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