“Nossa pele preta é o nosso manto de coragem e resistência”

A Revista AzMina perguntou pra seis mulheres negras incríveis: Por que precisamos do Dia da Consciência Negra?

Por Thais Folego Do Azmina

Nossa pele preta é o nosso manto de coragem e resistência”, cravou a performer e cantora de funk, Linn da Quebrada, à pergunta “Por que precisamos do Dia da Consciência Negra?”, que fizemos para seis mulheres negras referências em suas áreas de atuação.

“O 20 de novembro é uma data pautada por esses movimentos em contraponto a uma narrativa do 13 de maio que coloca a princesa Isabel como redentora de uma raça. Acho que o 20 de novembro enquanto signo de luta ele quer dizer que nós temos vozes e temos poucos ouvintes para nossas vozes e para nossas narrativas. Então é uma tomada de posição da história nos nossos próprios termos de participação e não de contribuição”, explica Giovana Xavier, doutora em História e professora da UFRJ.

O dia da Consciência Negra foi escolhido por ser atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, líder de um dos maiores quilombos da história do Brasil. Desde 2011 se tornou feriado nacional, mas de adoção optativa pelos municípios. Somente mil cidades em todo o país adotam o feriado.

A escritora Miriam Alves nos contou que a instituição da data em São Paulo faz com que ela receba até cinco convites para participar de eventos simultâneos e demanda que esses convites existam o ano todo. “A gente é preto de janeiro a janeiro, então a discussão precisa ser feita de janeiro a janeiro”, diz.

Leia os depoimentos:

Cida Bento, coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e eleita pela revista “The Economist” em 2015 uma das 50 profissionais mais influentes do mundo no campo da diversidade

“Precisamos do Dia da Consciência Negra pra nos apropriarmos do nosso poder enquanto maioria da população do Brasil e utilizarmos pra  dar um basta na bandalheira que estamos vivenciando em nosso país. Podemos dizer BASTA! por meio do nosso voto em 2018. Todos os partidos e candidatos que votaram a favor de medidas e projetos de reforma e mudanças que prejudicam a população negra devem  ser riscados de nossas listas.

Os que votaram a favor da reforma de congelamento de gastos públicos, da reforma trabalhista, os que querem dificultar o acesso de indígenas e quilombolas às suas terras, os que apoiam normativas que favorecem a violência contra as religiões de matriz africana, que impedem as discussões sobre gênero estão contra a população mais vulnerabilizada do Brasil, mas vão disputar nossos votos, pois somos a maioria do povo brasileiro. Vamos apostar na análise da história e da ação destes partidos e candidatos e não nos seus discursos mentirosos.”

“Nossa pele preta é o nosso manto de coragem e resistência. Nosso terreiro e quilombo de celebração. Nossa ciência, fonte de saberes ancestrais. Ancestralidade viva e presente. Não é mito, é história. É memória de um rebanho de ovelhas negras, sem pastor.  De Viúvas negras sem luto, mas em luta.”

Giovana Xavier, doutora em História, professora da UFRJ e coordenadora do grupo Intelectuais Negras

“É interessante pensar a ideia de participação em oposição a de contribuição. Na narrativa de história oficial do negro assim como das pessoas indígenas somos sempre pensadas como pessoas que contribuíram para a formação e para a história do Brasil. Se a gente pensasse do ponto de vista de quem participa da história do país, visto esses dois grupos como participantes, e particularmente o grupo negro pelo protagonismo que desempenha, a gente não precisaria de um Dia da Consciência Negra, porque esse dia seriam todos os dias do ano.

Nesse sentido, eu acho importantíssimo ter o 20 de novembro no sentido de pensar datas comemorativas como calendários de luta, de luta por visibilidade, por respeito, por protagonismo, por humanização das nossas histórias, das nossas condições no mercado de trabalho, na mídia, de respeito ao conteúdo que a gente produz. Isso justifica a importância dessa data que inclusive é para se pensar do por que não é um feriado nacional.

O 20 de novembro é uma data pautada por esses movimentos em contraponto a uma narrativa do 13 de maio que coloca a princesa Isabel como redentora de uma raça. Acho que o 20 de novembro enquanto signo de luta ele quer dizer que nós temos vozes e temos poucos ouvintes para nossas vozes e para nossas narrativas. Então é uma tomada de posição da história nos nossos próprios termos de participação e não de contribuição.”

Miriam Alves, escritora e poeta com produção publicada nos Cadernos Negros

“Eu sou sexagenária e lembro que, em 1978, o escritor Oliveira Silveira, lá do Rio Grande do Sul, que fez parte do movimento literário negro, falava que era importante que tivéssemos um dia para fazer essa marca, um contraponto a todos esses feriados e datas nacionais que existiam de referência aos escravizadores e assassinos de índios e de negros, aos estupradores de mulheres indígenas e negras. A única data que se referenciava aos negros era o 13 de Maio, que tem com protagonista uma mulher branca e que trabalha com uma folclorização da história em que foi em uma ‘penada’ que tudo se resolveu. Então o 20 de Novembro carrega pelo menos uns 40 anos de luta por essa data, em que todo o movimento negro brigou e construiu, incluindo escritores, políticos, artistas e mães de santo.

Precisa de um Dia da Consciência Negra? Na verdade não precisaria. Era só um dia, que passamos a comemorar uma semana e agora comemoramos o mês todo como sendo da Consciência Negra. O que espero é que eventos que discutem a temática – em que recebo cinco convites para participar em um único dia – não aconteçam só em novembro. A gente é preto de janeiro a janeiro, então a discussão precisa ser feita de janeiro a janeiro.”

Renata Éssis, backing vocal de Liniker e Os Caramelows

“Ainda precisamos do Dia da Consciência Negra porque vivemos em uma sociedade na qual pessoas negras são tratadas como cidadãos de segunda classe. Na qual ofensas graves a pessoas negras são levadas como piadas ou amenidades. Na qual a completa inexistência de oportunidades é vista como falta de mérito. Esse dia existe para mostrar que há uma dívida histórica com a população negra que deve ser reparada – não só no Brasil mas no mundo todo.

Chegamos num momento da sociedade no qual os privilégios históricos dados a cada etnia são muito claros. Assim como é claro como isso mina a vida das pessoas todos os dias.

Essa sociedade muito doente na qual estamos é tomada como normal. O Dia da Consciência Negra vem para colocar uma perspectiva na vida das pessoas para que, um dia, ele já não seja mais necessário. Para termos consciência de que a humanidade tem de andar junta independentemente de cor. Isso vale tanto para Dia da Consciência Negra quanto pra o Dia do Índio e das Mulheres. São partes de uma sociedade levadas, até hoje, por uma falta enorme de oportunidades.”

MC Lola, integrante do grupo de rap Melanina MCs

“O dia da Consciência Negra marca coisas que não deveríamos esquecer em dia nenhum. Toda a luta que nossos ancestrais tiveram para que hoje estivéssemos numa situação mais ‘estável’, mas ainda assim longe do ideal. Temos que lutar pelos espaços que deveríamos ter direito como os brancos, como acesso à faculdade e ao mercado de trabalho. O dia vale para que a gente se conscientize e para que a população tire pelo menos um dia para refletir sobre isso. As vezes a gente não se considera uma pessoa preconceituosa, mas uma atitude ou outra, uma coisa que já fez ou já falou pode dizer o contrário. Vale a pena parar e prestar atenção nas movimentações desse dia.

Para nós, artistas, vale nos utilizarmos dessa brecha para influenciar ainda mais o público a olhar para as questões raciais. Nós, que somos envolvidos com a arte e a cultura, temos vários meios de expor isso. Vale usar essa data para atrair as pessoas que se identificam com a nossa música a pensar sobre isso, a se conscientizar, atrair outras pessoas para a causa, tentar mudar de alguma forma o que acontece dentro de casa, no trabalho ou na escola.”

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