NOTA À IMPRENSA: Escalada de violência contra povos indígenas revela falhas graves do governo com os direitos humanos no Brasil

A escalada da violência contra as populações indígenas no Brasil revela a falha grave do Estado Brasileiro em proteger os direitos humanos de seus povos originários, afirma a Anistia Internacional ao fim de uma semana em que mais um indígena Guajajara foi morto no Maranhão e duas lideranças Uru-Eu-Wau-Wau denunciam ter escapado de uma emboscada em sua terra, em Rondônia. Entre os direitos mais básicos que estão sendo violados, a Anistia destaca o bem mais precioso de toda pessoa, o direito à vida, o direito à segurança e o direito ao território, que é garantido aos povos indígenas do Brasil pela Constituição Federal e por inúmeros tratados internacionais dos quais o país é signatário.

Da Anistia Internacional Brasil 

(Foto: EVARISTO SA VIA GETTY IMAGES)

Na última sexta-feira (13.12), o jovem indígena Erisvan Guajajara, de 15 anos, foi encontrado morto em Amarante, no Maranhão. Erisvan é o quarto Guajajara assassinado em menos de dois meses. As circunstâncias da morte ainda estão sendo investigadas, mas ela se soma a uma onda de ataques aos Guajajara que se intensifica de maneira alarmante. Outros indígenas da mesma etnia ficaram feridos como resultado dos episódios anteriores e reportagens divulgadas pela imprensa revelam que lideranças tiveram que abandonar seu povo e seus territórios, para se proteger de ameaças de morte.

No mesmo dia, Awapu e Juwi Uru-Eu-Wau-Wau denunciaram publicamente que escaparam de um ataque em sua aldeia e, para se proteger, decidiram não voltar para casa até que a situação se acalme. A Anistia Internacional exige que as autoridades tomem medidas imediatas e suficientes para garantir justiça às vítimas e para frear as diversas formas de violência às quais os povos indígenas têm sido submetidos:

“É urgente que todas as autoridades responsáveis, o presidente da República, Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e as autoridades policiais ajam imediatamente, de maneira adequada e suficiente, para mudar este quadro. Chegamos ao fim do primeiro ano do atual governo com um saldo bastante negativo nas políticas para as populações indígenas e o meio ambiente, como tem sido amplamente denunciado por movimentos e organizações da sociedade civil nacional e internacionalmente”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil.

Os ataques aos indígenas acontecem ao fim da segunda semana de negociações da Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP-25, quando o Brasil foi duramente criticado por suas posturas em relação às populações tradicionais e ao meio ambiente.

“O discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre os direitos dos povos indígenas e a proteção ambiental, mesmo antes das eleições, já inspirava preocupações graves, e alertamos para isso em 2018. Após sua eleição, a retórica de ataque e desqualificação daqueles que são cidadãos em seu país, e com os quais ele tem obrigações constitucionais, goste ou não goste, tem indiretamente estimulado a ação de invasores de terras protegidas, resultando em conflitos e violência”, segue Jurema Werneck, que completa:

“Mas, para além do discurso, Bolsonaro tem, deliberadamente, enfraquecido os órgãos de proteção e fiscalização indígena e ambiental, como a Funai e o Ibama. Em novembro, nós estivemos em Brasília junto a três lideranças indígenas para tentar entregar ao presidente, em mãos, uma petição assinada por mais de 162 mil pessoas do mundo todo exigindo a proteção da Amazônia e dos povos da floresta, por meio do fortalecimento dessas instituições. Também lançamos, no mesmo dia, relatório que mostra a relação entre as queimadas na Amazônia, que chocaram o mundo, e a abertura de pastos em terras indígenas, inclusive dos Uru-Eu-Wau-Wau, para criação de gado”.

Na ocasião, Jair Bolsonaro negou a solicitação da Anistia Internacional para audiência. Tanto a petição quanto o relatório foram protocolados no Palácio do Planalto. O documento é resultado de análises de dados e informações públicas, imagens de satélites, entrevistas e visitas realizadas a cinco áreas protegidas na Amazônia brasileira, as Terras Indígenas Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, as Reservas Extrativistas do Rio Ouro Preto e do Rio Jacy-Paraná (no estado de Rondônia), e a Terra Indígena Manoki (no estado de Mato Grosso). Ele mostra que as apropriações ilegais de terra ligadas à pecuária estão aumentando nos cinco territórios. Com as invasões, acontecem também as ameaças e violências contra as populações locais.

Baixe aqui o relatório “Cercar e trazer o boi: pecuária bovina ilegal na Amazônia brasileira”

Dados públicos e acontecimentos recentes justificam o nível da preocupação. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de mortes de lideranças indígenas em conflitos do campo em 2019 é o maior dos últimos 11 anos. Foram sete mortes este ano contra duas em 2018. Além disso, entre janeiro e agosto de 2019, a organização não governamental Imazon registrou o desmatamento de 4.234 km² na região amazônica do Brasil, um aumento 8,2% em relação ao ano passado. Outro dado alarmante é que o número de incêndios em territórios indígenas na Amazônia nos primeiros nove meses de 2019 é o mais alto desde 2011, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Também em maio, a Anistia Internacional apresentou publicamente suas preocupações no Brasil em decorrência de medidas concretas adotadas pelo governo. Entre elas, a retórica de ataque aos direitos humanos que o presidente e outras autoridades têm adotado, assim como decisões de impacto aos direitos dos povos indígenas, como a tentativa de transferir a Funai para o Ministério da Agricultura, num claro conflito de interesses. Após decisão do Congresso, a fundação segue sob o Ministério da Justiça, porém a retórica do presidente não cessou, como ele demonstrou em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro, ao atacar a liderança cacique Raoni, um cidadão brasileiro, diante de todo o mundo.

“Quando o governo deixa de cumprir suas obrigações com os povos da floresta, previstas em lei e acordos internacionais, ele revela seu descompromisso com a proteção de sua gente e dos locais onde vivemos, na floresta, no campo e até nas cidades. Se o governo faz isso com povos indígenas, os primeiros habitantes da nação, o que será capaz de fazer conosco? As violações que ocorrem com os povos indígenas dizem respeito a todos nós”, conclui Werneck.

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