Nota de solidariedade da Comunidade Bahá’í as religiões de matriz africana

A Constituição da República Federativa do Brasil prevê a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. A decisão de um Juiz da Justiça Federal do Rio de Janeiro de evocar para si a tarefa de decidir se as expressões de religiosidade de matriz africana são ou não cobertas pelo dispositivo constitucional é perigosa e espúria. Afirmar que estas “não contêm os traços necessários de uma religião a saber, um texto base (corão, bíblia etc), ausência de estrutura hierárquica e ausência de um Deus a ser venerado” abre o precedente do Estado julgar se aquilo que nasce na mais íntima expressão de transcendência no ser humano é ou não legítimo.

A Comunidade Bahá’í, que há mais 170 anos conhece no Irã, o seu país de nascimento, o que é ser uma minoria oprimida e sistematicamente perseguida com base em declarações similares, não pode manter silêncio perante tal ato perpetrado agora no Brasil contra nossos irmãos e irmãs de religiões de matriz africana. Veementemente condenamos tais expressões partindo de uma instância do judiciário brasileiro, pois os meios de ordem, não deveriam se tornar os instrumentos da dissenção, contenda ou ódio religioso,  criando obstáculos no caminho da tolerância, unidade e convivência pacífica de todas as fés.

Em tudo isto há um pano de fundo: não podemos nos calar perante um fenômeno dos mais estranhos e mais tristes da atualidade, que é a irrupção do fanatismo e dogmatismo religiosos que invocam uma exclusividade de um ou outro grupo no acesso ao que é divino ou transcendente. E é isto a consequência da referida decisão: os valores espirituais de amor à humanidade e crença na dimensão espiritual da humanidade são minados para conduzir a vitórias de um pensamento religioso em  particular em detrimento a outro.

Não cabe a um juiz definir “o que venha a ser religião”, pois é a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, a cuja Declaração Universal dos Direitos Humanos o Brasil é signatário, que define o estatuto internacional que protege o direito de livremente se adotar ou seguir uma crença ou religião  sejam elas  “crenças teístas, não-teístas e ateístas”.

A crença fundamental bahá’í é que um único Criador divino, em Seu amor infinito, gerou da mesma matéria toda a humanidade; exaltando a preciosa realidade do homem, o honrando com intelecto e sabedoria, nobreza e imortalidade; e conferindo ao ser humano “a distinção e capacidade únicas de conhecê-Lo e amá-Lo”, capacidade esta que “tem de ser encarada como o ímpeto gerador e o propósito primordial subjacente em toda a criação”. Não cabe a ninguém, portanto, julgar os méritos e os anseios particulares de uma alma ou as expressões religiosas de um povo. Assim, o papel de todas as instituições, qualquer que seja sua natureza, deve ser o de promover a unidade, o respeito mútuo e a convivência pacífica.

O pensamento que advogamos é que: “Não pode haver dúvida alguma de que os povos do mundo, de qualquer raça ou religião que sejam, derivam sua inspiração de uma só Fonte Celestial e são súditos de um só Deus”.  Isto exige de nós , portanto, agir de modo inteiramente fraternal.

Portanto, a crise desencadeada pela decisão do juiz traz à tona a inescapável responsabilidade que cabe às lideranças religiosas: como traduzir em ações e comportamentos os conceitos de amor, unidade e fraternidade predicados por todas as religiões, abandonando-se rivalidades ocultas ou ostensivas? Como manter-se fiel ao ensinamento maior – o amor ao próximo – deixando de lado tudo aquilo que possa antagonizar seres humanos e esgarçar o tecido social? A construção de uma sociedade alicerçada no bem-estar coletivo e na paz, na qual todas as pessoas são respeitadas e protegidas, bem como suas crenças e tradições é o desafio maior do Brasil neste momento de sua história.

 

Brasília, 20 de maio de 2014.

 

Comunidade Bahá’í do Brasil

 

Enviado para o Portal Geledés

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