Notas de Rodapé – Devemos tanto a ela

por Fernanda Pompeu para o Portal Geledés

Qual a década de sua estimação? Para a maioria das pessoas, a década escolhida é aquela que as encontrou na juventude. Fácil de entender. Na mocidade estamos com os poros, os hormônios e a percepção tinindo. É um venha a mim o mundo, e eu o receberei com o corpo e o coração abertos.

Se o século XX fosse uma pessoa, qual seria a década da juventude dele? Arrisco todas as minhas fichas nos anos 1960. Pois eles semearam tantas e tão importantes mudanças, que a sociedade globalizada, mesmo sem lhe dar os créditos, ainda colhe de sua cultura e bebe do seu leite.

É claro que não havia internet, nem redes sociais, nem portais, nem blogs. Mas, curiosamente, foi a década dos encontros e dos enredos. Década das comunidades hippies que, embaladas na deliciosa utopia do “paz e amor”, fumaram muita marijuana e inalaram quilos de incenso de patchouli. Mas não só isso. Também experimentaram o sexo livre e a moradia compartilhada.

Os 60 foram os anos, por excelência, do rock. Tendo como símbolo os Beatles. Aliás, os garotos de Liverpool começaram no iniciozinho dos 60 e se dissolveram no último ano da década. Quem achasse eles caretinhas, podia mudar a estação para a irreverência dos Rolling Stones ou para a loucura agridoce de Janis Joplin e Jimi Hendrix. Todos a cara dos 60.

Mas a década não sobreviveu só de Woodstock, ácido lisérgico, cinema, sandálias de dedo, teatro, granola, literatura e panfletos mimeografados. Ela também foi a mais vigorosa para os movimentos pelos direitos civis e estudantil.

Lembrem-se das manifestações de Maio de 68. Cabeludos e cabeludas fazendo barricadas no centro de Paris e cunhando slogans maravilhosos como “A imaginação no poder”, “É proibido proibir”. E o magnífico: “Somos todos judeus alemães”.

Certamente vieram os contragolpes. Na cidade do México, em plena Plaza de Las Tres Culturas, o exército e a polícia abriram fogo contra milhares de estudantes e trabalhadores, deixando o saldo de centenas de mortos e feridos. Nos Estados Unidos, em Memphis, o pastor negro Martin Luther King foi abatido com um tiro de rifle.

Aqui, na graciosa Pindorama, os anos 60 ofertaram luzes e sombras. No primeiro de abril de 1964, os militares deram uma rasteira na democracia e sentaram as botas no poder por mais de duas décadas. Os bem-pensantes reagiram. Os estudantes foram às ruas, culminando na famosa Passeata dos 100 Mil no coração do Rio de Janeiro.

A truculência derrubou o avião da história, no 13 de dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. Todos os poderes ao ditador de plantão. Fechamento do Congresso Nacional. Suspensão do habeas corpus. Prisão, tortura e morte para os opositores. Instauração da censura à imprensa, à música, ao teatro, ao cinema, aos livros, ao rádio e à televisão.

Também teve muito brilho: a revista Realidade com suas primorosas, e até hoje inigualáveis, fotografias e reportagens. O Tropicalismo refrescando a música brasileira. O Cinema Novo desequilibrando a câmera e a estética vigente. Os teatros Arena, Opinião, Oficina. Os festivais de música arregalando a audição do público.

Houvesse um título para décadas, a de 60 ganharia o de Década da Contracultura. Pois nunca tanta gente, de variadas formas, desafiou com tamanha paixão o sistema político-econômico e o autoritarismo das instituições, entre elas, a família e a Igreja Católica.

Agora, passado largo tempo, fazendo um balanço despretensioso, creio que o mais revolucionário dos anos 60 foram a comercialização da pílula anticoncepcional libertando as mulheres da fatalidade da gravidez, tornando-a uma escolha. E a revelação de que a única canoa que não fura é aquela feita pela madeira da diversidade.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

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