Notas de Rodapé – Juro que vivi

por fernanda pompeu para o Portal Geledés

Manga, carambola, pitanga, goiaba, sapoti, abiu.” Minha mãe de tanto descrever as frutas que havia no quintal da casa de sua infância, na rua Barão de Mesquita, na carioca Tijuca, fez com que abiu, sapoti, goiabada, pitanga, carambola, manga fossem frutas da minha infância transcorrida em quintais sem árvores.

Meu pai de tanto descrever o impacto que a notícia do fim da Segunda Guerra teve em seu coração de quinze anos, fez com que eu sentisse o louco entusiasmo que arrepiou as cabeleiras dos vivos naquele maio de 1945. De tanto ler e escrever sobre o 8 de Março, quase me convenço que estive presente no Congresso de Mulheres, Copenhague / 1910, onde a comunista Clara Zetkin propôs a criação da data.

A memória dos outros é poderosa quando contada e recontada. Ela penetra, sem cerimônia e impetuosa, no hipocampo cerebral de quem ouve ou lê. Por isso sou capaz de sentir o gosto do abiu, a euforia do final da guerra e a então subversão de um bando de mulheres. Faz menos de um mês, visitando a Fortaleza de Santa Cruz em Niterói, voltei a essa experiência de transferência de memória.

O recruta Patresi, nosso guia na Fortaleza, descreveu com tamanho brilho a fuga do preso político Juarez Távora, que vi o tenentista descer o íngreme paredão em direção ao mar, amarrado em uma corda de cânhamo de 25 metros de comprimento. De uma forma mágica, a fuga daquele fim de tarde de 1930 voltou a acontecer na manhã de um domingo deste 2011.

Memórias mortas são as não contadas. Aquelas envoltas em segredos de Estado, entocadas em pastas top secret, ou as memórias trancafiadas em diários que seus donos e donas atiram ao fogo. Porque os que têm a boca grande ou aqueles, como a minha mãe, que reprisam e reprisam suas lembranças são mensageiros e guardiões da grande memória. Memórias que a gente já não sabe a quem pertence. São de quem viveu os fatos e de quem ouviu contar.

Sempre que subo as escadarias do Teatro Municipal de Sampa, revisito a Semana de Arte Moderna de 1922. Semana – de três dias – que poria o modernismo dos paulistas no mapa cultural do país. Batata: vejo Oswald de Andrade descendo de um Ford Bigode. Mario de Andrade saltando do bonde. Villa-Lobos esvoaçado sua partitura e a ousada e tímida Anita Malfatti na companhia de um homem amarelo.

Para os leitores que não me conhecem, esclareço que não sou tão antiga quanto o modernismo. Nasci em 1955, ano em que os brasileiros elegeram Juscelino Kubitschek. O cara dos 50 anos em 5. O presidente da República que peitou a construção de Brasília. Minha tia Marlene andou por lá, quando a cidade era um enorme campo de obras e sonhos.

Pois de tanto ela contar suas lembranças, toda vez que aterrisso no Distrito Federal vejo novamente os barracões, a terra vermelha, os candangos – homens e mulheres – que meteram os pés no barro e as mãos no concreto armado. Vejo os operários suspendendo os anjinhos no teto da Catedral. Os jardineiros plantando as primeiras sementes nos canteiros do Plano Piloto.

Mas voltando ao Modernismo e ao Municipal, o que mais me recordo é da abertura da Semana com o poema do recifense Manuel Bandeira falando de sapos – sapo tanoeiro, sapo-boi, sapo-pipa – para uma plateia entre incrédula e ruidosa. Essa plateia saíra dali contando e implantando, na cabeça dos que viriam a nascer, suas memórias.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

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