Já é ponto pacífico que Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, nascido em Cabo Frio, no ano de 1812, foi o primeiro autor a publicar um romance no Brasil.
Em 1843, na profusão do movimento romântico brasileiro, chegava ao grande público os primeiros volumes de “O Filho do Pescador”, obra agora publicada pela Sophia Editora, numa nova edição bem cuidada e acompanhada de 595 notas explicativas, quase todas formuladas pelo professor Gustavo Rocha, além do elucidativo prefácio da experiente historiadora literária Hebe Cristina da Silva.
Teixeira e Sousa morreu novo, aos 49 anos de idade, em 1861, no Rio de Janeiro, sob aplausos consagradores como de escritor popular. No ano de sua morte, vários foram os jornais que lhe dedicaram obituários elogiosos, destacando sua dedicação, sobretudo, à literatura, por ter feito “da pena o instrumento do seu ofício”. Ainda no campo das aclamações, o jovem Machado de Assis, que o tinha como mentor e amigo, o classificou como o “gênio adormecido”.
Além de “O Filho do Pescador”, Teixeira e Sousa publicou também outros seis romances, destacando “As Tardes de um Pintor ou as Intrigas de um Jesuíta”, de 1847, e “A Providência”, de 1854; alguns excelentes volumes de poesia, como “Os Três Dias de um Noivado” e “A Independência do Brasil”, respectivamente publicados em 1844 e 1847-1855 —este último lido pelo imperador Pedro 2º—; e dramas, sendo os mais conhecidos “Cornélia”, de 1844 e “O cavaleiro teutônico ou A freira de Marienburg”, do ano de 1855.
Como é perceptível, o autor cabo-friense era bastante profícuo em suas produções, chegando a publicar, sempre pelas mãos do editor Francisco de Paula Brito, de quem chegou a ser sócio, mais de um livro por ano.
A volta às livrarias de “O Filho do Pescador” nos oferece uma oportunidade única, a primeira delas é de rever a escrita original deste livro e reparar uma grande injustiça praticada até hoje contra o precursor do romance brasileiro.
Forjado na escola do romantismo brasileiro, sob a inspiração da literatura vinda da Europa, aqui difundida pelas séries intermináveis de folhetins publicados, especialmente, no antigo Jornal do Commercio, Teixeira e Sousa bebeu dessa fonte criadora para elaborar o enredo da trama que envolve o seu pioneiro romance.
A história que envolve o conturbado amor de Laura e Augusto, “o filho do pescador”, parte de um naufrágio na praia de Copacabana. A personagem Laura tem uma trajetória de vida recheada de melodramas: foi raptada de seus pais menina, depois abandonada quando também perdeu o filho, conhece Augusto e, nessa reviravolta de sua vida, se envolve com outros amantes: Florindo, Marcos e Emiliano. O livro, para se ater a sua base romântica, tem crime, cenas de ciúmes, adultério, incêndio e mortes. O final é surpreendente, o que levou à sua popularidade em 1843 e a duas edições consecutivas em espaços de um mês em 1859, nas quais a edição atual se baseia.
Ainda antes da maranhense Maria Firmina dos Reis, autora pioneira de “Úrsula”, romance de tradição que traz para a cena literária o protagonismo do negro, Teixeira e Sousa em “O Filho do Pescador”, como bem assevera José Correia Babtista na orelha do livro “traz a marca inconfundível original ao olhar para o negro como um ser universal”, situando em plano salvador o personagem escravizado João, mas “recusando a abordagem institucional de situá-lo tão somente como instrumento de trabalho sem feição humana”. Na narrativa há passagens de jogos de capoeira, o que deixa mais evidente que o autor, que também era negro, se situa na própria obra que constrói.
Bastaria isso para tornar o legado de Teixeira e Sousa algo merecedor de atenção e estudos. No entanto, são poucas as abordagens de sua obra no campo precursor da novelística brasileira, que pontifica “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo —não por acaso um escritor branco — , publicado um ano depois do livro do autor cabo-friense.
Sem falsear suas qualidades criativas —tanto que na edição original, publicada em folhetins no jornal O Brasil meses antes de aparecer em livro, outro dado pioneiro que dá a Teixeira e Sousa o codinome de pai do folhetinismo entre nós —a obra foi classificada como “romance brasileiro”, ou seja, sem orientação francesa ou europeia.
Por tudo isso é inconfundível a localização da primazia do romance de autor, embora tenha passado cerca de 180 anos desde sua primeira edição. De todo modo, sempre é tempo de reparações e justiça. Teixeira e Sousa merece todas elas.
Tom Farias – Jornalista e escritor, é autor de “Carolina, uma Biografia” e do romance “Toda Fúria”