Novas formas de racismo emergem na pesquisa científica

 

Avanços no sequenciamento genético estão dando lugar a uma nova era de racismo científico, apesar de décadas de esforços para reverter atitudes usadas para justificar o comércio de escravos e a teoria nazista.

Novas formas de discriminação, conhecidas como neorracismo, estão emergindo da pesquisa científica, alertam especialistas, espalhando a crença da existência de raças que são diferentes em termos de biologia, comportamento e cultura, advertiram antropólogos reunidos semana passada na conferência anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Chicago.

“A ciência genética pode nos ajudar muito na individualização da prática médica”, afirmou Nina Jablonski, professora de Antropologia da Universidade do Estado da Pensilvânia.

Mas ela alertou que a ciência pode ser “mal usada” para propagar a crença de que as pessoas têm habilidades inerentemente diferentes com base na cor da pele ou na origem étnica.

Ela citou um novo estudo que recomenda que as crianças sejam identificadas com base em suas habilidades educacionais geneticamente pré-determinadas e, então, colocá-las em escolas separadas que podem ser usadas para estimular diferentes tipos de aprendizado.

“Nós já ouvimos isso antes e é incrivelmente preocupante”, afirmou, referindo-se à era da segregação, quando negros e brancos eram separados nas escolas e os afro-americanos eram considerados inferiores.

– Uma questão de distorção? –

“Os educadores que estão propondo isso afirmam que é um meio positivo, mas é algo que poderia facilmente ser distorcido se for implementado”, afirmou.

Muitos cientistas respeitados nos Estados Unidos admitem que a raça em si não é uma variável biológica, mas eles ainda compram a ideia de que a ancestralidade compartilhada pode transmitir certas características biológicas, afirmou Joseph Graves, decano associado de pesquisas da Universidade da Carolina do Norte.

Estudos publicados têm demonstrado que os negros são mais propensos do que os brancos a terem um tipo sanguíneo que causa anemia falciforme e pode proteger da malária, além de terem maior probabilidade de possuir um gene denominado APOL1, que protege o indivíduo de um parasita que provoca a doença do sono.

A anemia falciforme se caracteriza pela alteração das hemácias, que perdem a forma arredondada e ficam com aparência de foice. Segundo dados divulgados no site oficial Portal Brasil, ela é a doença hereditária de maior prevalência no país e pode ser diagnosticada com o teste do pezinho, realizado em bebês recém-nascidos.

Embora Graves não discuta as descobertas, ele disse ser errado deduzir que as diferenças genéticas respondem pelas grandes disparidades genéticas entre os negros e os brancos.

“A suposição é de que a ancestralidade africana predispõe a perfis de maior morbidade e mortalidade nos Estados Unidos”, disse Graves durante a conferência.

“Isso é o que chamo de mito do africano geneticamente doente”, prosseguiu.

Ao invés disso, é mais provável que fatores sociais sejam a causa de uma saúde mais precária entre os negros nos Estados Unidos, afirmou.

“Os americanos costumam confundir concepções biológicas e socialmente definidas de raça”, disse Graves. “O neorracismo resulta, em parte, dessa confusão”, prosseguiu.

Outra preocupação surge com os testes de ancestralidade que agora são comumente vendidos na internet, uma tendência que alimenta a noção de que a herança hereditária de uma pessoa pode indicar seu estado de saúde, afirmou Yolanda Moses, antropóloga cultural da Universidade da Califórnia, que descreveu esses testes como “enganosos”.

– Raça e justiça criminal –

Ao longo da última década, a expansão de bases de dados de DNA que incluem perfis genéticos de pessoas detidas, mas não condenadas pela prática de crimes, também é fonte de preocupação, afirmou a cientista.

“A genética tem um impacto profundo na raça e no sistema de justiça criminal”, afirmou.

Ironicamente, um novo enfoque na raça como base da genética começou quando os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês) – os maiores financiadores de pesquisas do mundo – determinaram que todos os seus estudos genéticos tenham uma representação tão diversa quanto possível, em um esforço para eliminar as disparidades de saúde e incluir mais pessoas de cor nos testes clínicos.

Esse não foi o caso quando o Projeto Genoma foi iniciado, nos anos 1980.

“Saímos de um mundo onde os mapeadores genéticos não queriam tocar a questão racial com uma vara longa para entrar em outro, no qual projetos e medicamentos não podem mais sobreviver sem reconsiderar sua razão de existir como uma campanha de direitos das minorias”, explicou Catherine Bliss, professora assistente de Sociologia na Universidade da Califórnia, em San Francisco.

“O que temos é uma pressão ética e financeira para ‘racializar’ a pesquisa e suas aplicações”, afirmou.

 

 

Fonte: EM

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