Vimos nessa última terça-feira (5), na novela A Regra do Jogo mais um caso de desrespeito com as religiões de matrizes africanas. A prática decorrente da emissora Rede Globo agride não só aos adeptos da religião, mas a todos nós que buscamos a paz universal entre todos os povos e todas as religiões.
por Walmyr Junior * no JB
As cenas interpretadas pela atriz Alexandra Richter reitera os preconceitos e estereótipos de uma suposta incorporação de uma entidade religiosa na passagem de ano em Copacabana, e depois em várias outras cenas dos recorrentes capítulos da novela. Cenas assim contribuem para o recrudescimento do ódio e perseguição que diariamente os praticantes das religiões de matrizes africanas sofrem.
O escárnio representado pela personagem Dalila contribui profundamente para a manutenção da discriminação religiosa perpetrada na história do nosso país.
Lucas de Deus, Candomblecista e membro do Coletivo Nuvem Negra – PUC-Rio, vê a cena como um ultraje. Para ele a “a violência cometida pela novela Regra do Jogo legitima e prolifera os preconceitos e ‘pedradas na cabeça’ de milhões de afrorreligiosos/as”.
“A Rede Globo mais uma vez utiliza suas novelas para discriminar e fazer escárnio das religiões de matrizes africanas. Discriminação religiosa é crime! É intolerável que nossas tradições religiosas continuem sendo desrespeitadas, estereotipadas, caricaturadas. São estas cenas que legitimam e motivam tantas outras agressões simbólicas e físicas que nós, religiosos de matrizes africanas, sofremos diariamente” concluiu Lucas, em entrevista para a coluna Juventude de fé.
Fazer escárnio do culto ou entidades religiosas em rede nacional é crime previsto no Art. 20 da Lei 7.716/89. Sabemos que existe uma série de estigmas, decorrente do racismo e da falta de informação referente às religiões de matrizes africanas.
Erica Portilho, da família JejeBogun, militante da Renafro, caracteriza a cena como “uma falta de respeito a nossos Orixás e a todas as entidades cultuadas no candomblé e na umbanda”. Para ela, a TV aberta brasileira ainda é formadora por opinião de grande influência dentro da nossa sociedade.
Para ela, “colocar em cena ritos de algumas religiões de matriz africana, da forma sarcástica e irresponsável como foi feito nos capítulos da novela A Regra do jogo, misturando mulheres de axé que dançavam vestidas de branco, sinal de culto aos orixás, com a personagem fingindo receber uma entidade de rua, que não faz parte do mesmo rito e da forma pejorativa como foi colocada, só reforça o estigma social do preconceito e da discriminação de nossa religião, além de deturpar a verdadeira essência de nossos ritos.”
Fica aqui um ato de repúdio de uma juventude de fé que ousa acreditar no amor, independentemente da cor, raça ou religião. A civilização do amor, ensinada por Cristo e descrita por São João Paulo II, nos impulsiona para o outro de coração aberto ao encontro da alteridade e diferenças. Que o desserviço de algumas instituições de comunicação não nos impeça de buscar o respeito, a solidariedade, a justiça e o amor.
“A civilização do amor
No final destas considerações, porém, sinto o dever de recordar que, para a instauração da verdadeira paz no mundo, a justiça deve ser completada pela caridade. O direito é certamente a primeira estrada a seguir para se chegar à paz; e os povos devem ser educados para o respeito do mesmo. Mas, não será possível chegar ao termo do caminho, se a justiça não for integrada pelo amor. Justiça e amor aparecem às vezes como forças antagonistas, quando, na verdade, não passam de duas faces duma mesma realidade, duas dimensões da existência humana que devem completar-se reciprocamente”
Trecho da mensagem de S.João Paulo II para a celebração do Dia Mundial da Paz – 2004)
* Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.