Novos incluídos não participam dos movimentos sociais. Um risco para a democracia? – Por: Dennis de Oliveira

A entrevista do economista Márcio Pocchman, presidente da Fundação Perseu Abramo, no portal “Vi o mundo”, é instigante sobre as perspectivas para a sociedade brasileira. Ajuda a pensar sobre os impasses atuais, principalmente nos caminhos que devem ser seguidos para além da inclusão social que foi significativa nos últimos dez anos.

Alguns dados importantes apresentados por Pocchman: “há um milhão de novos universitários, que praticamente não se vincularam às entidades do movimento estudantil; 1,2 milhão de famílias de baixa renda que tiveram acesso à casa própria mas não fazem parte de associações de bairro ou de moradores; 22 milhões de pessoas que se integraram ao mercado de trabalho sem que isso resultasse no aumento da taxa de sindicalização.”

Ao mesmo tempo que isto ocorre, novas demandas vão surgindo por parte destes novos universitários, novos proprietários de moradia, novos trabalhadores: transporte público eficiente, políticas de assistência e permanência estudantil, acesso a bens culturais e simbólicos, infra-estrutura urbana, saúde e educação de qualidade, entre outros. Lembrando que boa parte destes serviços são executados por empresas privadas muito em função da privatização desenfreada – direta ou via terceirização – ocorrida nos tempos de hegemonia absoluta do neoliberalismo.

Há uma pressão, diante disto, de que tais direitos sejam realizados na perspectiva de bens de consumo, transformando os cidadãos em consumidores; ou que se reforce a perspectiva cidadã de que tais direitos sejam garantidos democraticamente pelos Poderes Públicos, o que necessitaria de aperfeiçoar os mecanismos de participação política da sociedade civil.

O grande problema de tudo isto é que a desorganização da sociedade civil dificulta a perspectiva cidadã, já que as entidades tradicionais do movimento social não estão servindo como canais de expressão destes novos segmentos incluídos. Isto tem um risco para a democracia, alerta Pocchman, que também aponta esta situação como o grande desafio para os partidos políticos. Em outras palavras, utilizado as categorias gramscianas, pensar além da Sociedade Política e atuar na Sociedade Civil – o lugar de expressão das ideologias e de construção das hegemonias.

A partidarização excessiva de boa parcela dos movimentos sociais, muitos deles transformados em meros trampolins de lideranças para entrarem no domínio da Sociedade Política, ou mesmo a ilusão de que a tomada do aparelho de Estado é suficiente para realizar as mudanças são duas situações que precisam ser pensadas. Pensar, refletir, discutir estas novas configurações da Sociedade Civil, suas vicissitudes, seus embates ideológicos e as formas mais eficazes de atuação são os desafios de quem pensa a sério a mudança social no Brasil. Taí um convite a ser feito aos militantes do movimento anti-racista, já que boa parte destes novos incluídos são afrodescendentes e uma das coisas que mais tem se verificado nos embates ideológicos no âmbito da Sociedade Civil é o crescimento da expressão mais dura do racismo.

Fonte: Quilombo

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