‘O 2ª mandato de Trump será muito mais destrutivo para a saúde pública nos EUA e no mundo’, diz especialista

Lawrence Gostin, diretor do Instituto O'Neill, único centro colaborador da OMS em Saúde Global, critica indicação de Robert F. Kennedy Jr., conhecido antivacina, para liderar o equivalente ao Ministério da Saúde no país

Menos de dez dias após ter sido eleito novamente presidente dos Estados UnidosDonald Trump anunciou a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. – ex-adversário na disputa eleitoral que desistiu do pleito para apoiar o republicano – como futuro chefe do Departamento de Saúde e Serviços Humanos do país (HHS, da sigla em inglês), o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil.

A indicação de que Kennedy Jr. estará à frente de uma das autoridades mais influentes de saúde no mundo repercutiu de forma intensa e negativa entre os principais especialistas de saúde pública. Como principal motivo, as inúmeras declarações falsas, que contrariam as evidências científicas, já proferidas pelo sobrinho do ex-presidente JFK.

Entre elas, a de que a adição do flúor na água para prevenir cárie é na verdade nociva e de que as vacinas causam autismo. O futuro chefe do HHS chegou a publicar livros e produzir um documentário abordando supostos efeitos danosos dos imunizantes, produções amplamente condenadas pela comunidade científica internacional.

Em uma carta, mais de 75 ganhadores do Prêmio Nobel pediram aos senadores americanos que não aprovem a escolha de Trump: “(Kennedy Jr.) colocaria a saúde pública em risco e prejudicaria a liderança global dos Estados Unidos nas ciências da saúde”, escreveram. A nomeação precisa passar pelo Senado para ser efetivada.

Ao GLOBO, o especialista em saúde global Lawrence Gostin avalia que a indicação de Trump de fato “não tem a qualificação mínima básica” para exercer o cargo, e afirma que a escolha demonstra que o segundo mandato do republicano na Casa Branca “será muito mais destrutivo para a saúde pública nos EUA e no mundo”.

Gostin é diretor do Instituto O’Neill para Direito Nacional e Global da Saúde da Universidade de Georgetown, o único Centro Colaborador da OMS em Saúde Global. Ele diz ainda que a tendência é que o futuro presidente dos EUA retire novamente o país da Organização Mundial da Saúde (OMS), o que teria implicações graves para o restante do planeta no momento em que ameaças como a gripe aviária são reais e crescentes.

Como vê a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS)?

Acredito que RFK Jr. não está qualificado para a posição. A qualificação mínima básica é a crença na ciência e nas evidências. Kennedy Jr. não demonstrou interesse em seguir os fatos e a ciência. Ele é um cético de longa data em relação às vacinas e tem semeado desconfiança em relação às campanhas de imunização, por exemplo.

Qual é a sua avaliação sobre as alegações de saúde feitas pelo futuro chefe do HHS, amplamente criticadas como desinformação?

RFK Jr. liderou uma das campanhas mais influentes e bem financiadas contra as vacinas infantis de rotina. Ele também criticou a vacina contra a Covid-19, que salvou milhões de vidas no mundo. Simplesmente não há evidências de que a vacina contra o sarampo cause autismo, por exemplo, algo que ele também alega.

Além disso, o leite cru sem pasteurização pode ser altamente perigoso, e sua campanha o promovendo como um alimento benéfico causará incontáveis danos, especialmente a crianças, idosos e pessoas vulneráveis. E já foi provado que a fluoretação da água, algo que ele critica e quer acabar nos Estados Unidos, ajuda a prevenir doenças dentárias, especialmente entre crianças e adolescentes.

Além de Kennedy Jr., quais são suas opiniões sobre as nomeações de Dave Weldon para o CDC, Marty Makary para o FDA e Jay Bhattacharya para o NIH?

As nomeações de Trump para cargos na área de saúde são altamente irresponsáveis. Dave Weldon tem sido uma voz importante na desinformação sobre vacinas e uma relação falsa com autismo. Jay Bhattacharya ficou conhecido por ter ignorado a ciência durante toda a pandemia de Covid-19. No entanto, acredito que Marty Makary, professor da Universidade Johns Hopkins, seja uma nomeação razoável.

As nomeações estão alinhadas com as políticas e abordagens de saúde pública vistas durante o primeiro mandato de Trump?

Trump nomeou Alex Azar para liderar o HHS em 2017, e ele foi um secretário competente que acreditava na ciência e na saúde pública. Então as nomeações agora indicam que o segundo mandato de Trump será muito mais destrutivo para a saúde pública nos EUA e em todo o mundo do que o primeiro.

Elas podem minar a confiança na ciência, assustar os pais sobre a vacinação de seus filhos e reduzir o acesso aos cuidados de saúde. E RFK Jr. provavelmente reduzirá drasticamente o financiamento e o apoio político à saúde global.

Em 2020, o presidente Trump anunciou a saída dos EUA da OMS. O senhor prevê um cenário semelhante? O quanto isso é importante no momento em que o mundo enfrenta problemas como a mpox e a potencial ameaça de uma pandemia de gripe aviária?

Sim, posso ver Trump cumprindo sua ameaça de retirar os EUA da OMS novamente, o que seria uma decisão catastrófica. Precisamos ter solidariedade e equidade na resposta global de saúde, especialmente em relação a novos vírus. A ameaça da gripe aviária é real e preocupante, e os EUA não estão preparados.

As taxas de vacinação no mundo ainda não voltaram aos níveis pré-pandemia. Como acredita que um novo governo Trump abordaria essa questão?

Negativamente, porque a administração de Trump amplificará a desconfiança pública em relação às vacinas. Como consequência, podemos ver grandes surtos de doenças infantis que são totalmente evitáveis, como sarampo, caxumba, rubéola e coqueluche.


Bernardo Yoneshigue

+ sobre o tema

Mulheres marcadas pelo cárcere enfrentam dificuldades para receber salário penal

Muitas mulheres encarceradas não são pagas adequadamente por seu...

Teremos sorte em estarmos vivos até a COP30

Todo começo de ano é a mesma coisa. E...

A lenga-lenga do Ibama e o calor de 50°C

Na semana em que a região Sul do Brasil...

B3 não vai recuar em agenda de diversidade apesar de mudanças nos EUA, diz presidente

O presidente da B3 Gilson Finkelsztain disse que a Bolsa brasileira...

para lembrar

Amnistia Internacional: Angola está a viver “retrocesso” de direitos fundamentais

Angola está a viver um "retrocesso" dos direitos humanos...

Brancos surgiram na Europa há 5500 anos

Fonte: Época - De acordo com pesquisadores, a nova...

Estado tem de apoiar a favela para isolamento seguro, diz chefe da Fiocruz

A presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade Lima,...

Rose Marie Muraro: a saga de uma mulher impossível, por Leonardo Boff

No dia 21 de junho concluíu sua peregrinação terrestre...

Não é possível falar de racismo sem pensar nos impactos da crise climática, defende Anielle Franco

A primeira pessoa que fica sem acesso à moradia e território é a pessoa de favela. Chuvas torrenciais, enchentes, alagamentos e onda de calor são...

Censura de Trump atinge projetos no Brasil; ordem veta clima, gênero e raça

Projetos e pesquisas realizados no Brasil e financiadas por recursos americanos começam a ser alvo do governo Trump. O UOL recebeu documentos que revelam como termos...

Conferência Global de Crianças e Jovens (COY20) será realizada no Brasil em novembro de 2025

Pela primeira vez na história, o Brasil será o palco da Conferência Global de Crianças e Jovens sobre Mudança Climática (COY20), que acontecerá em...
-+=