Não é trivial que a Parada LGBTQIA+ de São Paulo tenha reunido milhões de pessoas vestindo as cores verde e amarelo. Fora a evidente importância de reivindicar para si os símbolos apropriados pela extrema direita bolsonarista, trata-se de uma estratégia política astuta em muitos outros sentidos correlatos. Do palco da Madonna em Copacabana, no Rio de Janeiro, para as ruas de São Paulo, o verde-amarelo foi lavado, no imagético político do país, do seu populismo excludente de antes.
Primeiro, o verde-amarelo sugere que, sim, nós, pessoas LGBTQIA+, pertencemos a este país que insiste em nos matar. Dados oficiais mostram que, em 2022, aumentaram em 54% os casos de homotransfobia enquadrados na lei de racismo no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os números coletados por organizações como Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Grupo Gay da Bahia e Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil reforçam a persistente violência, em especial contra a população trans.
Segundo, ocupar a avenida Paulista com o verde-amarelo resgata a força das ruas. Ocupar as ruas, aliás, foi o grito principal do primeiro editorial da publicação LGBTQIA+ pioneira no país, o Lampião da Esquina, em 1978: “é preciso dizer não ao gueto e, em consequência, sair dele”, dizia o texto à época. Nos últimos anos tem aumentado a violência homotransfóbica em São Paulo ocorrida nas ruas, o que reforça a necessidade de ocupá-las.
Terceiro, o verde-amarelo ressalta, ademais, as contradições do país que, ao mesmo tempo em que se orgulha de sua diversidade, negligencia os direitos LGBTQIA+. O ato deste ano teve como lema “Basta de negligência e retrocesso no Legislativo”. É imoral que o Congresso Nacional nunca tenha adotado uma lei sequer para proteger a nós, LGBTQIA+. O verde-amarelo não nos salvará, como não nos salva o país a que ele alude, mas talvez chame a atenção para o fato de que existimos e que não vamos a lugar algum.