O assassinato de Michael Brown e o racismo institucional nos Estados Unidos e no Brasil

Por Luciana Genro

No sábado, dia 9 de agosto, um jovem negro de 18 anos foi assassinado pela polícia na pequena cidade de Ferguson, nos Estados Unidos. Michael Brown tinha recém se formado no Ensino Médio e iria iniciar as aulas na universidade. Ele estava indo visitar sua avó quando foi abordado por um policial por estar caminhando sobre o asfalto, e não sobre a calçada.

Há muitas versões em disputa sobre o que teria ocorrido durante a abordagem policial, mas alguns consensos, reconhecidos até mesmo pela polícia, são fundamentais para se compreender o caso. Michael Brown estava desarmado. Pelo menos duas testemunhas afirmam que ele não reagiu à abordagem e teria permanecido com as mãos ao alto, conforme solicitado pelo agente. A polícia, contudo, diz que o jovem teria tentado sacar a arma do policial.

O fato é que a morte de um jovem negro por um policial branco despertou uma onda de protestos na cidade e no país, motivando até mesmo um pronunciamento nacional do presidente Barack Obama.Dados do censo federal dos Estados Unidos nos ajudam a entender melhor a situação. Com pouco mais de 21 mil habitantes, a cidade de Ferguson é composta, em 67% de sua população, por pessoas negras. Contudo, isso não se reflete nas estruturas locais de poder. O prefeito, o chefe de polícia e cinco dos seis vereadores do município são brancos. E um relatório do Ministério Público do estado do Missouri, onde fica localizada a cidade, informa que, em 2013, 93% dos presos pela polícia em Ferguson eram negros.

Esses dados são estarrecedores e nos ajudam a compreender a complexa realidade de racismo institucional em vigor tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. A onda de protestos em virtude da morte de Michael Brown tem sido duramente reprimida pela polícia. Nos Estados Unidos, apesar de as forças policiais não serem militarizadas, possuem armamentos militares oferecidos pelo governo federal.

A reação popular legítima que ocorre atualmente em Ferguson está se espalhando para outras cidades do país, inclusive Nova York. O assassinato deste jovem negro pela polícia ocorreu nos Estados Unidos, mas poderia ter sido no Brasil. A vítima se chamava Michael Brown, mas poderia se chamar Amarildo, Cláudia Silva Ferreira ou DG. O extermínio da juventude pobre e negra não escolhe nacionalidade.

No Brasil é a famigerada guerra às drogas que serve de justificativa para as execuções sumárias de jovens pobres e negros, como foi o caso de Amarildo, DG e Cláudia. Aqui também o racismo permeia as relações sociais e principalmente as ações da polícia. Defendemos uma profunda transformação na estrutura policial brasileira. O caso dos Estados Unidos – onde as polícias são locais e não são militarizadas – é a prova de que não basta apenas desmilitarizarmos as polícias estaduais.  A polícia não pode ser preparada para combater um inimigo, dentro de uma lógica militar de guerra. É preciso construir uma polícia democrática, com sólida formação em direitos humanos, onde o agente exerça a função de mediador dos conflitos sociais através do enraizamento nas comunidades.

Além disso é preciso acabar com esta legitimação das execuções sumárias via guerra às drogas. E por fim, é preciso combater o racismo com politicas afirmativas e educacionais. Essa são  propostas que defendo para o país, enquanto candidata à Presidência da República. É nesta condição que apresento, também, minhas condolências à família de Michael Brown. À comunidade de Ferguson, manifesto meu apoio às manifestações e a convicção de que somente a luta dos oprimidos é capaz de modificar as estruturas que favorecem os opressores e a opressão.

Por fim, é preciso dizer que o exemplo da comunidade de Ferguson, que não aceitou calada mais este assassinato a sangue frio e saiu às ruas, contagiando o país, é um exemplo de combate ao racismo e à violência.

Fonte: Luciana Genro

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