O brilho de Dira Paes em Salve Jorge – por Cidinha da Silva

Por Cidinha da Silva

Meu interesse no folhetim das damas de cabelo encaracolado tem nome e sobrenome de sereia da água doce, Dira Paes. Que atriz imensa e sabidamente bela é esta mulher.

Contrario aqui a norma de quem não destaca a beleza física das pessoas como valor de apresentação ao mundo. No caso de Dira o faço, porque mesmo exuberante, é o tipo de beleza e melanina que a TV brasileira encarcera em papeis geo-políticos (moradora de favela, trabalhadora doméstica, prostituta, barraqueira, feirante, pessoa desonesta) já que não tem o aspecto estético-sensual de Juliana Paes, desejado para explorar a imagem da mulher cobiçada, para determinados fins, mas cobiçada.

Quando soube pelas chamadas televisivas que Lucimar, mulher digna, trabalhadora, solidária, amorosa, moradora de favela, mãe da protagonista Morena (Nanda Costa), receberia a notícia da morte da filha em Salve Jorge, sabia que coisa boa estava por vir. Fiquei dois dias de tocaia, esperando a cena e não me decepcionei. Dira, naquele momento, era uma Mãe de Maio, de Acari, de São Paulo, da Argentina, de qualquer periferia do Brasil. Era uma mulher do povo dilacerada pelo desaparecimento da filha jovem que morrera buscando uma vida melhor, para si e para a família.

Não penso, logicamente, que só a dor das mães do povo tenha valor, até a de Antonio Carlos Magalhães, quando morreu Luís Eduardo é respeitável. Mas é que a dor das mulheres do povo não é notícia, não merece primeira página e Dira, em magnífica interpretação, elevou-a ao status de dor humana granjeadora de nota, respeito, cuidado, solidariedade, ainda que dos iguais, os amigos da favela que a ampararam.

Em cena posterior, Dira, como as mulheres do povo privadas dos filhos pela violência, pelo racismo, pela impunidade, reúne forças (nunca se sabe de onde elas tiram essa força) e tenta vingar o assassinato da filha, dando uma surra na traficante de pessoas antes de entregá-la à polícia.

As Mães de Maio usam as mãos para carregar faixas, cartazes, as pernas para marchar, a voz para vocalizar palavras de ordem e a dor pela morte dos filhos causada pela ausência do Estado ou pela ação dele. Mas, Dira, na novela, desarma a bandida que a ameaça com um canivete, como as Mães de Maio dariam um jeito de desarmar os bandidos que mataram seus filhos, se tivessem tido a chance de estar presentes nos momentos prévios ao assassinato. Dira, de alguma forma, vinga (no limite da teledramaturgia) as Mães de Maio nos safanões que Lucimar dá em Wanda (Totia Meirelles).

A bandida foge, é experiente para escapar de armadilhas bobas. No caminho do asfalto ameaça um trabalhador da favela, um motoboy. Usando uma arma rouba-lhe a moto (é a classe média safada roubando o trabalhador da favela, na própria área, mensagem da cena).

Eu me delicio com a grandeza humana emprestada à vida trágica de Lucimar, que, a despeito de tudo, precisa continuar vivendo, como as Leoas de Maio.

 

 

 

 

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