O complexo de viralatas pode nos vacinar contra a raiva da mídia

Jura Passos

Nem preciso dizer quantas coisas americanas são adoradas no Brasil.

Hollywood, hamburguers, Coca Cola, jazz, rock and roll, jeans e basquetebol.

A lista não tem fim.

Os EUA são a pátria também do mercado financeiro de Wall Street e das maiores empresas globais de comunicação e informação.

Time-Warner, Fox News, CBS, ABC, NBC, ESPN, MTV, Turner, New York Times.

Um dos mais importantes jornais do país – e do mundo – o Washington Post, foi vendido recentemente por uma bagatela para o dono de um site de comércio pela internet – o Amazon.

Nenhum deles é sustentado pelo governo como a imprensa tradicional brasileira.

Por isso o Post foi arrematado na bacia das almas pelo Amazon.

Nos EUA, nem as campanhas de utilidade pública – as únicas que poderiam ser pagas com dinheiro público – são feitas pelo governo.

Quem faz é o Adcouncil, uma ONG criada durante a II Guerra para fazer campanhas de apoio ao esforço de guerra.

Como alistar-se na Cruz Vermelha, economizar gasolina ou doar sangue, por exemplo.

O Adcouncil existe até hoje e é o responsável pelas melhores e mais importantes campanhas de utilidade pública americanas.

No Brasil, a imprensa que tudo imita dos EUA, nunca falou ou propôs nada semelhante ao AdCouncil.

Por que as campanhas de utilidade pública americanas não são pagas pelo Estado, mas pelas próprias empresas de comunicação.

Agências, produtoras e veículos.

Ou seja, pelo próprio mercado publicitário, não pelo governo.

Nem mesmo o horário eleitoral gratuito é gratuito. Ele é pago com isenção de impostos sobre um serviço público de informação por radiodifusão.

Se houvesse algo semelhante ao Adcouncil no Brasil, os jornais, editoras e emissoras de TV teriam que doar tempo de publicidade para a veiculação de campanhas de utilidade pública.

As agências de publicidade teriam que criar os anúncios de graça e, as produtoras, teriam que trabalhar de graça também.

Loucura? Ou complexo de viralatas?

As empresas de comunicação e publicidade americanas não só fazem tudo isso como disputam avidamente para ganhar as campanhas de Adcouncil.

Por que isso dá status e traz clientes para elas.

Eles chamam isso de serviço pro-bono: pelo bem.

Quem consegue reduzir os acidentes provocados por motoristas embriagados no trânsito com um simples anúncio na TV deve saber o que faz.

Loucura é o Estado brasileiro gastar bilhões em publicidade – incluídos ai os governos federal e paulista, que disputam a liderança em pé de igualdade, e todos os outros, estaduais e municipais.

Propaganda que, na maioria das vezes, nem sequer tem qualquer utilidade pública, como campanhas de saúde e segurança no trânsito.

É pura propaganda partidária.

E por que precisa fazer isso?

Para não ser atacado dia e noite por uma imprensa chantagista.

Nos EUA também tem isso.

A Fox de Rupert Murdoch é contra Barack Obama e vice-versa.

O canal já declarou que Obama gosta mais de Putin do que dele.

Mas a TV de Murdoch não é sustentada por dinheiro público, e também trabalha de graça para o AdCouncil.

O AdCouncil só tem um – grande – problema: quem decide quais serão os temas das campanhas é o seu próprio conselho de direção.

A Fox News tem quatro representantes dentre os trinta membros do conselho do AdCouncil.

Será que os Frias, Marinhos, Abravaneis e Sirotskys estariam dispostos a integrar um conselho assim, doar espaço publicitário a causas nobres e deixar de viver às custas dos governos que criticam?

Sobre o Autor

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Jura Passos é jornalista. Formou-se na Escola de Comunicações e Artes da USP e fez especialização em comunicação e políticas públicas no Hubert H. Humphrey Institute of Public Affairs da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. É um eterno aprendiz de capoeira, samba e maracatu e adora viajar de bicicleta por ai, menos em São Paulo.

 

Fonte: DCM

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