O Consenso de Brasília – Makhtar Diop

Makhtar Diop – Diretor do Banco Mundial para o Brasil

O Brasil é um país especial. Durante muito tempo esteve dividido entre ricos e pobres, quase sem meio-termo. Após décadas de trabalho duro, isso está mudando. Ao mesmo tempo, há um paralelo global. Durante muito tempo o mundo esteve dividido entre países ricos e pobres, quase sem meio-termo. Isso também está mudando radicalmente, e o Brasil é protagonista do processo. Em ambos os casos o Brasil está preenchendo um elo fundamental que faltava.

Há poucos dias foi lançado o Programa Brasil sem Miséria para erradicar a extrema pobreza. Seria difícil imaginar algo assim há duas ou três décadas. O país uniu desenvolvimento econômico com estabilidade e avanços sociais, no que já foi chamado de Consenso de Brasília. Tirou da pobreza e levou à classe média dezenas de milhões de pessoas e construiu uma economia estável, que cresce com sustentabilidade e atravessou quase sem percalços a pior crise econômica global dos últimos 80 anos.

O sucesso desse modelo trouxe outras profundas consequências, além das fronteiras. O país se consolidou como liderança no mundo multipolar de hoje e tornou-se ator fundamental para o desenvolvimento da nova arquitetura global. Tem papel importante nas discussões de desenvolvimento, arejando os debates com perspectiva diferente, informada pela ótica da parceria e da solidariedade. Em termos práticos, é uma das maiores fontes de inovação e experiências de desenvolvimento, que vêm sendo adaptadas e adotadas por outros países. Do Bolsa Família à agricultura tropical na África, passando pela responsabilidade fiscal em países federais, o Brasil está compartilhando o seu conhecimento, inclusive com a parceria do Banco Mundial.

Em um mundo desigual, que até há pouco era simplesmente e arbitrariamente dividido entre ricos e pobres, o Brasil desponta como uma força pela democratização do desenvolvimento. Isso não seria possível senão pela experiência do país para incluir todos os brasileiros no processo de desenvolvimento, com avanços sociais e a busca de oportunidades para todos, ao mesmo tempo construindo as bases econômicas para o crescimento.

Unir o progresso social ao econômico pode parecer óbvio, mas, como a história mostra, na prática é receita difícil que desanda facilmente. Isso é especialmente verdadeiro em um país tão complexo e de raízes tão desiguais quanto o Brasil. Para chegar aonde está, o país trilhou o próprio modelo de desenvolvimento, com políticas macroeconômicas sólidas (o tripé de câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal) e uma estratégia social bem focalizada e integrada. O resultado é uma maior classe média, que já se torna o principal motor do crescimento e do consumo do país, como nas economias desenvolvidas.

Da mesma forma, o novo motor do mundo são os países emergentes, que liderarão o crescimento global até 2025, aumentando muito os investimentos no eixo sul-sul. O Brasil já é um ator de destaque nesse novo contexto de investimentos internacionais, tanto nos países mais atrativos, quanto abrindo novas fronteiras na África e América Latina.

Além da demanda doméstica, o crescimento das economias emergentes se calcará cada vez mais no aumento da produtividade, um desafio para o Brasil, que ainda tem indicadores de poupança interna e investimento muito abaixo de países como China, Índia e Rússia.

Assim, ao mesmo tempo em que anuncia a meta de extinguir a pobreza extrema nos próximos anos, o país busca criar as condições para aumentar a produtividade e amparar o crescimento em longo prazo, com sustentabilidade ambiental e abordando gargalos fundamentais como infraestrutura e qualidade da educação. Para isso, é essencial aumentar significativamente a poupança interna e o investimento, o que possibilitará manter e multiplicar o crescimento econômico.

O importante é que esses desafios estão sendo abordados. O que falta então para o Brasil se tornar uma nação desenvolvida? Talvez, pela nova ótica multilateral que o próprio país ajudou a estabelecer, a pergunta não tenha mais sentido – o desenvolvimento é um processo contínuo, ao qual se busca dar estabilidade e inclusão, e que está intimamente associado com um novo cenário de desenvolvimento internacional, mais participativo e equilibrado. Esse seria o legado do Consenso de Brasília.

Fonte: Itamarty.gov.br

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