O Enem e o sonho de um futuro melhor

Exame nacional contribui para democratizar acesso ao ensino superior e reafirma seu papel

Chegou aquela época do ano em que estudantes enfrentam uma maratona de provas em direção ao sonho de cursar uma faculdade. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começou no último domingo (3), em que mais de 3 milhões de pessoas compareceram aos seus locais de prova para realizar o exame que pode lhes garantir uma vaga no ensino superior. Ainda falta um dia de provas, que será neste domingo (10), mas esta edição do Enem já apresenta conquistas a serem celebradas em termos de políticas públicas.

Em primeiro lugar, a tendência de crescimento do número de inscrições desde 2021 se manteve. Neste ano foram 4,3 milhões de inscritos, quase 10% a mais do que no ano passado. Ainda assim, bem abaixo do que nos tempos áureos da avaliação, com quase 9 milhões de inscritos em meados da década de 2010. Desde 2016, o interesse pela prova vinha caindo, tendo chegado a 5 milhões antes da pandemia de Covid-19.

Em segundo lugar, a abstenção do primeiro dia de provas apresentou uma leve queda em relação ao ano anterior: 26,6% no último domingo contra 28,1% em 2023. Tímida redução e talvez seja cedo para comemorar, pois a abstenção no segundo dia de provas é sempre mais elevada. Além disso, não está longe do padrão de abstenção do primeiro dia de provas, entre 25% e 30% —com exceção do primeiro ano da pandemia, em que mais da metade dos inscritos faltaram.

Por último e mais importante, o Enem deste ano está marcado pela maior participação dos estudantes das redes públicas de ensino. De acordo com informações do MEC (Ministério da Educação) e Inep, 94% dos alunos concluintes do ensino médio se inscreveram no Enem este ano. Em 2023, havia sido apenas 58%. É um aumento expressivo e uma participação histórica. Em 14 unidades da federação, 100% dos estudantes de escolas públicas estavam inscritos.

A maior participação dos estudantes de escolas públicas este ano deve-se a ações coordenadas nos níveis federal e local. Em termos de políticas federais, houve o início do Programa Pé-de-Meia, que oferece incentivo financeiro para estudantes de baixa renda permanecerem na escola e uma parcela extra para participar do Enem. No nível estadual, as redes ampliaram os esforços de mobilização para engajar os estudantes na realização da prova.

Ampliar o interesse dos jovens pelo Enem, principalmente de estudantes da rede pública, significa fortalecer sua função de garantir acesso a oportunidades e ser um instrumento de transformação social e redução de desigualdades por meio da abertura das portas da universidade para todos. É um desafio histórico viabilizar que os estudantes de baixa renda conheçam o processo que pode levá-los a cursar um ensino superior e, com isso, tenham acesso a melhores oportunidades no mercado de trabalho.

No entanto, abrir as portas do ensino superior para mais estudantes é apenas o primeiro passo. Esses jovens devem enfrentar outro grande desafio: a preparação insuficiente do ensino básico para garantir bons resultados no Enem. Com o aumento da participação, é possível que a média de notas caia, mas o primeiro passo foi dado. Muitos desses jovens nem sequer imaginavam que essa possibilidade estava ao alcance. Chegando a todos, o Enem contribui para democratizar o acesso ao ensino superior e reafirmar seu papel na construção de um futuro mais equitativo.


Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

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