Benedita Gouveia Damasceno Simonetti que é professora, mestra em Literatura pela Universidade de Brasília e autora do livro “A Literatura Negra no Modernismo Brasileiro” fala de racismo: Vou contar aqui uma história que nunca contei, porque até hoje me faz mal:
Postado em 04/02/2015 às 12:02 por Arísia Barros em Cada Minuto
“Em 1983, o Itamaraty decidiu pela minha transferência da Embaixada do Brasil em Lagos para a Embaixada do Brasil em Roma, nomeando-me como Diretora do Centro de Estudos Brasileiros. Lá chegando, fui recebida com grande hostilidade por parte dos funcionários daquele centro. Ninguém dizia nada, mas a hostilidade era tão visível a ponto de poder ser talhada com uma faca. Só não conseguia perceber por que.
Poucos dias depois, uma das pessoas que trabalha no Centro de Estudos , um brasileiro que dava aulas de violão, e ao qual eu pedira para remover suas coisas, depositadas em uma sala que queria transformar em minha sala de trabalho, sentou-se na minha frente e me disse:
– todo mundo está dizendo, inclusive o ex-diretor, que sua vinda para cá é um erro. E eu estou de acordo porque “negrinha” (grifo dele e meu) igual você eu já comi muitas, mas foi na cozinha”.
Abri e fechei a boca duas vezes, respirei fundo e respondi:
– posso ou não concordar com sua opinião, mas a partir deste momento este Centro de Estudo não precisa mais de seu trabalho. Pode pegar suas coisas e sair.
Dali fui até o Embaixador para relatar o sucedido e ele me respondeu: que absurdo, Dona Benedita. Mande este rapaz embora – E eu: já mandei e vim aqui para lhe comunicar o ocorrido.
Dois dias depois o rapaz voltou, arrancou-me das mãos o telefone, agarrou meus braços que ficaram todos arranhados com suas longas unhas, quebrou meu dedo, que continua quebrado até hoje e aos berros me arrastou até o saguão do CEB aos gritos de “- sai daqui, aqui não é lugar de negro – Lugar de negro é na cozinha”.. e outros elogios equivalentes. Todos os alunos saíram das salas de aula e ficaram ali assistindo ao espetáculo.
Olhei para a Secretária e lhe pedi para chamar a polícia. A polícia chegou, colocou todos dois no camburão e levou para a delegacia. Chegando lá, a primeira pergunta que o Delegado me fez foi se eu era bailarina. Era no tempo em que o Oba-Oba fazia o maior sucesso em Roma. Suas bailarinas iam lá dançar e por lá ficavam, em situação tão dúbia que bailarina em Roma tinha virado sinônimo de prostituta. Assim, creio que o delegado pensou que era briga de gigolô cm sua protegida, o que de certo modo até me envaideceu, visto que eu nunca tive físico de “bailarina” já que sempre fui gordinha. Sem falar italiano, estendi-lhe o meu passaporte diplomático e então ele me disse que nada poderia fazer porque o fato acontecera entre brasileiros dentro da Embaixada do Brasil que era, evidentemente, território brasileiro. Embaixada que, embora sabedora do fato relatado pelos funcionários do CEB, não mandou ninguém à delegacia me dar apoio, muito embora eu portasse um passaporte diplomático.
Voltei para casa e telefonei para o Departamento Cultural do Itamaraty, cujo Chefe, o Embaixador Alberto da Costa e Silva, havia me designado para servir em Roma. mas eu chorava tanto que nem conseguia contar a história direito. Só depois que tomei um copo de água com açúcar e esperei um pouco, foi que pude relatar o fato. Naquele momento eu só queria que ele mandasse a minha transferência, não queria mais ficar em Roma…O Embaixador Costa e Silva deve ter falado com a Embaixada em Roma, porque no dia seguinte, quando cheguei, vieram todos, o Embaixador, o Ministro, outros diplomatas, outras colegas, falar comigo. Fui fria, apenas disse-lhes para não se preocuparam porque estava tudo sob controle.
Um aluno do CEB, que ali estudava português e assistira a tudo, descobriu que o Sr. Zigurd não tinha visto de permanência na Itália e conseguiu a expulsão dele, já que a Embaixada mesma não fez nada. Dias depois a Secretária Eliana convidou-me para almoçar. E me disse que não se surpreendeu muito com o não-envolvimento da Embaixada, porque antes que eu chegasse, os comentários entre os diplomatas do Posto era: “O Itamaraty está baixando o nível. Mandaram para dirigir o Centro de Estudos, além de mulher uma negrinha”….