Com poucas mulheres trabalhando, a indústria do videogame no Brasil apresenta números piores que a americana ou a canadense. O ambiente, no entanto, é mais acolhedor
Vez ou outra, Amora Bettany é convidada a participar, como jurada, de concursos de videogame. Junto com o marido, Pedro Medeiros, Amora criou, em 2010, a Miniboss – produtora de videogames que logo se tornou referência entre os independentes brasileiros. As competições que julga rendem algumas boas histórias: “Durante uma das apresentações, o cara começou a explicar um jogo sobre carros”, diz Amora. “Ele falava que o jogador ia poder escolher essa ou aquela opção de roda. No fim, virou para mim e comentou: ‘Você não deve estar gostando muito’. Como se eu não pudesse gostar de carros por ser mulher”. Aos 27 anos, Amora virou referência entre gamers de ambos os sexos. Mesmo assim, ainda precisa responder a provocações como essas. “São situações pontuais”, diz. O desconforto, ainda que leve, é persistente.
Como mulher, Amora é exceção em um ambiente marcadamente masculino. Quando o assunto é equilíbrio de gênero na indústria do videogame, o Brasil reproduz o cenário do restante do mundo. De acordo com levantamento da International Game Developers Association, 22% dos funcionários das empresas de games em todo o planeta são do sexo feminino. No Brasil, os números são menos animadores: “Proporcionalmente, nós temos menos mulheres trabalhando no Brasil do que nos EUA ou no Canadá”, diz Eliana Russi, executiva da Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (Abragames), principal associação de desenvolvedores no país. Segundo levantamento organizado pela Abragames, com 200 associados no Brasil, as mulheres equivalem a 10% do quadro de funcionários.
No Brasil, o estranhamento não se traduz em violência. Assume caráter quase cordial: “É muito comum, por exemplo, encontrar casais de desenvolvedores nos eventos dos quais a gente participa”, diz Amora. As mulheres são minoria mas, entre uma provocação e outra, são bem recebidas.
Izabel Cristina Borges, de 20 anos, sabe bem disso. Izabel tem a profissão dos sonhos da maioria dos aficionados por games. Trabalha no departamento de quality assurance da Level Up. O título em inglês implica em responsabilidades das quais ela não se queixa: “Minha obrigação é testar todos os nossos produtos. Testo como se eu fosse um jogador mesmo”. A Level UP é líder na distribuição de jogos online no Brasil. No mesmo setor que Izabel, trabalham outras cinco mulheres, em meio a 33 homens. “É mesmo um ambiente muito masculino”, diz. Isso nunca a incomodou. “Eu me sinto muito protegida por eles”.
Izabel começou a jogar ainda pequena. Aos sete anos, participou do seu primeiro campeonato – na verdade, uma pequena competição organizada entre colegas, com aval dos pais. Única menina entre os moleques, Izabel chamou a atenção dos adultos: “O pai de um dos meus colegas perguntou: ‘mas, como assim, você está aqui no meio desse monte de menino?’”, diz Izabel. “Eu me senti meio que revolucionando algo”.
Amora também começou a jogar ainda pequena, encorajada pelos pais. Músicos, eles lhe deram o apoio que precisou quando decidiu fazer jogos não como hobby, mas como profissão. Foi quando passou a criar que sentiu o peso de um universo dominado pela presença masculina: “Na maioria dos jogos, a mulher aparece como um detalhe da narrativa – ela vai ser salva, ou vai ser vingada, ou é par romântico. E isso acaba crescendo conosco”, diz Amora. No começo, quando ia criar um novo jogo, Amora dificilmente pensava em uma protagonista feminina. Precisou se policiar para tornar seus personagens mais diversos: “A gente precisa fazer com que as pessoas saibam que todo mundo pode ser protagonista em um jogo bacana”.
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