O NEGRO NA MÍDIA

Discriminação racial e o uso estratégico dos dados dos censos foram temas de seminários de jornalistas afrodescendentes em Porto Alegre



Texto de Alexandre Costa *

 

“Historicamente os meios de comunicação têm reproduzido o racismo no Brasil”. Esta é apenas uma das conclusões dos 120 participantes que lotaram o auditório da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) durante o Seminário Estadual O Negro na Mídia: a Invisibilidade da Cor e o Encontro Latino-americano de Comunicação, Afrodescendentes e Censos de 2010, realizados em Porto Alegre nos dias 17 e 18 de setembro. Mais de 120 participantes compareceram aos eventos que integram a programação dos 67 anos do Sindicatos dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul.

 

O presidente da entidade, José Maria Nunes, ressaltou a importância de promover discussões sobre o tema. “Encontros como este são fundamentais para multiplicar as informações relativas à discriminação em relação aos colegas negros que enfrentam inúmeras dificuldades para se colocarem no mercado de trabalho. Mas, também porque é preciso alertar a sociedade sobre esta questão, que é invisível na mídia e por extensão na sociedade”.

 

Nunes lembrou que a data do seminário também é de extrema importância para os jornalistas porque neste dia completa exatamente três meses da decisão do STF que abolia a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. “Esta é uma decisão que atinge a todos e fundamentalmente aos jornalistas negros, pois se já é difícil um emprego tendo diploma, imaginem sem a obrigatoriedade do mesmo”.

 

O presidente do Sindicato dos Jornalistas lembrou que é fundamental a participação dos representantes dos núcleos de afrodescendentes na Conferência Nacional de Comunicação, que será realizada em Brasília nos dias 1, 2 e 3 de dezembro. O presidente da ARI, Ercy Torma, afirmou que a realização do evento é uma honra para a entidade, que foi criada em 1935 e sempre esteve presentes nas discussões de temas relevantes para a sociedade gaúcha.

 

Já Valdice Gomes da Silva, da Comissão de Igualdade Racial de Alagoas, diretoria da FENAJ e presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas, lembrou que havia um discurso no meios das empresas de comunicação de que o negro não produzia, não trabalhava. “Criamos o nosso grupo, com um site e podemos observar a quantidade de material que é postado, desmontando este argumento. Na verdade, o que nós todos sabemos é que os veículos de comunicação deste país reproduzem o racismo”, avaliou.


Alerta para discriminação racial e exclusão de jornalistas negros na mídia brasileira

 

José Carlos Torves, diretor do Departamento de Mobilização, Negociação Salarial e Direito Autoral da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), advertiu os presentes para a importância da realização de pesquisas científicas, no sentido de colher dados confiáveis para que os mesmos sejam utilizados das mais diversas formas, tanto nos trabalhos acadêmicos quanto em estudos voltados às políticas democráticas e que buscam a igualdade social.

 

Torves lembrou que para a realização deste seminário foi necessário percorrer um longo caminho até sua realização e que o mesmo deve acontecer em relação a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “A Conferência vai acontecer, apesar de todos os boicotes por parte dos representantes dos grandes veículos de comunicação de massa do país, e, de imediato, nada vai mudar, porque trata-se de uma luta de grandes proporções e de muita paciência e de empenho”.

 

O representante da FENAJ foi enfático ao lembrar da importância das pesquisas. “Quando elaboramos o livro a Invisibilidade do Negro na Negro, aqui no Sindicato dos Jornalistas do RS, sabíamos que os negros não ocupavam espaços nas redações e principalmente nas mídias de imagem como a TV, porém quando recebemos os dados oficiais da pesquisa, elaborada pelo Departamento de Sociologia da PUC, e constatamos que em todo o Rio Grande do Sul havia apenas 5% de apresentadores ou repórteres negros. Portanto, com os dados foi possível constatar que o nosso estado é um dos que mais discrimina.

 

Políticas afirmativas

 

Outra palestrante, Maria Inês Barbosa, coordenadora do programa de Gênero, Raça e Etnia do UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas) Brasil e Cone Sul, lembrou que durante muitos anos prevaleceu no mundo “uma supremacia branca e eurocêntrica.

 

A representante do UNIFEM foi enfática ao afirmar que é preciso rescrever a história e citou um pensamento de Martin Luther King: “para abrir as feridas, primeiro é preciso aceitar que existem feridas”.

 

Na opinião de Maria Inês, uma das formas de rescrever a história é promover e implementar políticas afirmativas. “Estamos promovendo uma série de políticas públicas para redução da pobreza e também de para promoção da igualdade de gênero e raça. Temos cursos de capacitação em 11 universidade brasileiras”, concluiu.

 


Afrodescendentes e Censos 2010


O segundo dia do II Seminário Estadual O Negro na Mídia: a Invisibilidade da Cor e do Encontro Latino-americano de Comunicação, Afrodescendentes e Censos de 2010.

 

O seminário prosseguiu na manhã de sexta-feira, 18/9, com a participação de Sonia Viveros, integrante do Grupo de Afrodescendentes das Américas para Censos de 2010 e da Rede de Mulheres Afrolatinoamericanas e Afrocaribenhas (Equador); Esaud Noel, jornalista e presidente da Associação Nacional de Jornalistas Afrocolombianos (Colombia); Elói Ferreira, secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promação da Igualdade Racial (SEPPIR); Ana Lúcia Sabóia, socióloga e chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e Rosane Borges, jornalista, doutora em Comunicação pela ECA/USP e secretária executiva da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN).

 

Os moderadores foram Cristian Guevara, jornalista e membro da Federação de Afrodescendentes Iberoamericanos da Espanha; e Angélica Bashi, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro (COJIRA-RJ), oficial de Proteção do Unicef e coordenadora do Grupo Temático de Gênero e Raças das Nações Unidas no Brasil.

 

Refletir sobre o racismo


A equatoriana Sonia Viveros foi a primeira a falar na continuação do encontro. Ela ressaltou a importância de reconhecer a existência do racismo, por parte dos governos e organismos internacionais, principalmente em convenções e acordos. Para ela, este reconhecimento significa um grande avanço para o povo negro. Outra questão abordada por Viveros diz respeito ao uso estratégico das estatísticas oficiais para desmantelar a discriminação racial, por meio das variações é tnicas.

 

“Temos como objetivo incidir sobre os institutos de estatísticas para incorporar perguntas de autoidentificação étnico-racial que contabilizem qualitativamente quantitativamente os afrodescendesntes nos países da América Latina e Caribe”, afirmou.

 

A equatoriana argumenta que é preciso refletir sobre o racismo, porque ele se constitui em um dos fundamentos para a estruturação e hierarquização racial das sociedade, colocando os afrodescendentes nas posições mais baixas da pirâmide social, política e econômica.

 

Espaços de afirmação

Esaúd Urrutia Noel é jornalista e presidente da Associação Nacional de Jornalistas Afrocolombianos (Colombia) e diretor da Revista Ébano Latinoamérica. Noel falou das experiências de comunicação, voltadas à população afro, que são realizadas na Colombia, com a publicação de revistas, jor nais, boletins e programas de rádio e TV.

Nestas experiências se dá visibilidade ao povo negro, valorizando as mais diversas iniciativas como forma de amenizar a imagem negativa que durante anos foi passada pelos meios de comunicação de massa para o imaginário coletivo.

 

Esaúd afirmou que foram esforços importantes, capazes de garantirem um salto de qualidade que permitiu maior impacto sobre a opinião pública no país. Bogotá, como a capital da Colombia, deu exemplos de como criar espaços de afirmação e inclusão, com diálogos e políticas públicas para melhorar a situação das comunidades pobres, por meios de comunicação diferenciada. Esaúd afirma que a Associação de Jornalistas Afrocolombianos está decidida a abrir fronteiras para criar espaços para a divulgação de informações de interesse ao povo negro, possibilitando a realização de encontros de jornalistas de toda a América.

 

Evolução histórica

Para Elói Ferreira, secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promação da Igualdade Racial (SEPPIR), o tema da invisibilidade é determinante para o país. Ferreira fez um apanhado de datas e traçou a evolução e as conquistas dos negros na sociedade. Os primeiros negros chegaram ao Brasil em 1511, nos porões do navios. Há uma data que é o Dia de Consciência Negra que é uma referência ao extermínio do Quilombo de Palmares, no dia 20 de novembro de 1695, ocasião em que os negros que vivam neste locais foram exterminados. Ferreira contou que quando era menino o dia 13 de maio tinha um grande significado, porque era a data referente à Abolição da Escravatura.

 

“Temos que ter consciência que a abolição da escravatura foi um dos maiores movimentos políticos do país. Naquele 13 de maio de 1888, a Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro, que era capital do país, foi cercada pela população que queria o fim da escravidão. Havia uma grande campanha abolicionista nas ruas, na época”, diz.

 

O secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial informou que o primeiro censo realizado no país foi em 1872 e contabilizou 1,6 milhões de escravos, negros ou pardos. Ele ainda fez referência ao ano de 1950, quando o racismo tornou-se um crime, uma contravenção penal. Já no período da ditadura militar não houve nenhum avanço no Brasil, porque os militares consideravam que não existia racismo no Brasil, não havia censo e tema não interessa ao Brasil. Mas o movimento negro ressurge junto com o movimento sindical nos anos 80 e uma da vitória foi a criação da lei 7.716 que torna o racismo crime inafiançável?, lembra.

 

Elói Ferreira cita ainda outras vitórias do movimento negro: o direito de titulação das terras de remanescentes de quilombos, a criação da Fundação Palmares, o decreto do presidente FHC que determina a ocupação de cargos públ icos por negros, como forma de reparação histórica, além da a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promação da Igualdade Racial (SEPPIR), já no governo Lula.

 

Censo e recursos públicos

O representante da Seppir considera que o censo é fundamental para determinar a dotação orçamentária para as políticas públicas voltadas à reparação em relação ao negros e também como forma de superar as desigualdades criadas ao longo dos 350 anos de escravidão. Um processo discriminatório que estabeleceu a partir da chegada no Brasil dos primeiros negros e que apesar dos avanços é necessário fazer muito mais, definiu.

 

Ana Lúcia Sabóia, socióloga e chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), explicou que a partir de ano 2000 se consolidou a publicação anual do IBGE. Era a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) – “Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira, que incluia um capítulo específico sobre desigualdades raciais, analisando diversos indicadores socio-econômicos relativos a educação, renda, organização familiar, entre outros.” Esta publicação tem tido bastante repercussão nacional e se converteu numa referência em matéria de informações e estudos das desigualdades raciais no país, afirma Sabóia, lembrando que a SIS 2009 será divulgada em 9 de outubro próximo.

 

Avanços para o Censo de 2010

 

A representante do IBGE considera um grande avanço a inclusão da pergunta de classificação racial, no questionário básico do Censo Demográfico de 2010, e que será aplicada em todos os domicílios do país. Ela informa que para a categoria indígena, se perguntará também a etnia e a língua falada. A finalidade é obter informações atualizadas acerca do processo social de construção e utilização das categorías de clasificação racial.

 

Sabóia lembra que em 2008 foi implementada uma pesquisa sobre as Características Étnico-Raciais da População. Trata-se de uma proposta de investigação inédita no IBGE quanto ao seu conteúdo, abrangência e metodología, observa, afrimando que os resultados desta investigação serão utilizados para pensar uma possível revisão do atual sistema de classificação racial do IBGE.

 

A socióloga diz que entre os objetivos da pesquisa estão questões importantes como levantar as dimensões mais relevantes da categorização por cor ou raça das pessoas, respeitando rigorosamente o princípio da auto-declaração como forma exclusiva de identificação. Neste sentido, a pesquisa traz uma inovação metodológica: a seleção exclusiva de um entrevistado por domicílio que responde sobre a sua identificação racial.

Outra intenção, segundo a chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é compreender o processo social de construção e utilização das categorias de identificação étnico-racial da população brasileira, além de fornecer uma base empírica que permita subsidiar a elaboração de uma proposta alternativa para aprimorar o atual sistema de classificação de cor/raça utilizado nas pesquisas do IBGE.

 

Contra-ponto


Rosane Borges, jornalista, doutora em Comunicação pela ECA/USP e secretária executiva da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) fez questão de fazer um contra-ponto à afirmação de Elói Ferreira, secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em relação à importância do 13 de mais. Para Rosane, o momento é de conquista, porém é extremamente constrangedor o trabalho para desconstituir os avanços do negro na sociedade. Na minha opinião, o 13 de maio é um marco histórico vergonhoso. Quando pensamos a questão contemporânea do negro, quando pensamos em censo, pensamos em um retrato de uma realidade”.

 

Rosane lembrou aos participantes da força do negro brasileiro: “somos um exército e estamos incidindo na opinião pública de forma positiva, com alegria, com trabalho, com cultura”. Ela citou a questão das cotas e os argumentos utilizados por quem é contrário às mesmas. “Tentam tratar a questão como estrutural para esconder o racismo. Um dos argumentos é de que com as cotas o nível da educação vai baixar. Outra é de que estamos disseminando o ódio racial, o que é um absurdo”, finalizou.

Matéria original

 

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