“Tira isso!”, ordenou a general manager de uma empresa internacional líder em comunicação corporativa. Era setembro de 2016, Luanna Teofillo, 36, trabalhava na área de negócios da tal empresa quando foi discriminada por sua então chefe na frente de toda a equipe. O “isso” se referia a suas tranças. Naquele mesmo dia, ao voltar para casa, ela olhou a sua lista de desejos e decidiu que era a hora de investir no seu sonho: abrir um painel de consumidores especializado no público afro. Há um ano, o Painel BAP (da expressão em inglês Black American Princess, que é usada para se referir às mulheres negras de classe média) dava seus primeiros passos.
Por Luana Dalmolin Do Projeto Draft
O episódio teve uma série de desdobramentos que levaram à demissão de Luanna (ela foi literalmente escoltada para fora da empresa na frente de todo o escritório) e a uma ação trabalhista movida contra ela por parte da empresa. A primeira audiência aconteceu em julho deste ano e sua luta é para que seu caso se torne emblemático contra o racismo institucional. À época, Luanna criou uma página no Facebook e a hashtag #tiraisso, que usou para falar sobre sua história, além de reunir relatos de discriminação em ambientes corporativos e que acabou sendo retirada do ar devido a uma ação civil movida por sua ex-chefe.
Fato é que todo o ocorrido acabou por impulsionar o desejo de Luanna de fortalecer a voz da comunidade negra e aumentar a sua influência no mercado. Sua intenção é trazer diversidade para as pesquisas e evangelizar o mercado e diz que:
“Nem sempre adianta fazer uma pesquisa generalista. Existem códigos para se comunicar com o público afro”
Ela cita alguns exemplos de produtos e serviços que, segundo sua avaliação, naufragaram por não ouvirem a opinião de seu público-alvo, como é o caso da série de TV produzida pela rede Globo, o Sexo e as Negas, exibida em 2014, que foi acusada de retratar os negros de forma estereotipada e até mesmo de racista. “Esse cenário começa a dar sinais de mudanças com empresas investindo em pesquisas com recorte racial, como é o caso do Airbnb, da qual participamos. Eu enxergo esses casos como oportunidades de abrir o diálogo e se aproximar dessas empresas”, fala.
Atualmente, o Painel BAP conta com uma base de 5 mil inscritos, tendo como meta alcançar 10 mil painelistas até dezembro deste ano, e já entregou mais de 5 mil pesquisas. Seu principal parceiro de negócio é uma empresa sueca chamada Cint, que fornece respondentes para pesquisas de clientes como Airbnb, Netflix, Uber, Nestlé, Asics, Nike, Google, Facebook, Subway entre outras, brasileiras e internacionais. O custo médio para o cliente que contrata o Painel é de 12 reais por sample.
Os inscritos também recebem pela sua participação ( a remuneração varia de 0,50 a 2,50 dólares por pesquisa), e quando acumulam 12,50 dólares podem resgatar a quantia via paypal ou então escolher um produto ou um serviço de um afro empreendedor na BAP Store. Este modelo integra o “ciclo de prosperidade” a que se propõe o negócio.
UBUNTU: FORTALECENDO PARCERIAS PARA CRIAR UM CICLO DE PROSPERIDADE
Na prática, o painel estabelece uma ponte entre as empresas que precisam entender melhor o seu consumidor, as pessoas que querem opinar e os empreendedores afro. Esta é a aplicação do princípio africanista Ubuntu para negócios. O modelo de Painel BAP foi inspirado em uma solução que ela mesma desenvolveu quando trabalhava como panel manager de um painel de consumidor de Paris, onde morou de 2010 a 2012 e fez um mestrado em Linguística na Universidade Sorbonne. Foi nesta empresa que ela emplacou a ideia de oferecer produtos como recompensas ao painelistas e, dessa forma, manter o dinheiro circulando dentro da própria plataforma. Com este projeto, a empresa recebeu um investimento do governo francês para startups e Luanna teve o insight do que viria a ser o seu próprio negócio, anos depois.
Luanna estudou Linguística na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde viveu de 2010 a 2012. Foi lá que ela atuou como panel manager de um painel de consumidores e ganhou experiência neste segmento.
Já a iniciativa da BAP Store, que está integrada ao painel, tomou forma um pouco antes. Era 2013 quando em uma viagem para Nova York, Luanna se deu conta do tamanho do mercado voltado para a comunidade negra e se deparou com produtos de todos os tipos. Com uma mala recheada, ela voltou ao Brasil, anunciou os produtos em uma página de Facebook, organizou bazares e festas e logo viu os produtos se esgotarem. Percebeu aí um nicho de mercado. Foi o princípio da BAP Store, que hoje conta seis parceiros fixos. Para o futuro, a ideia é deixar de ser apenas um e-commerce e uma central de recompensas do Painel BAP para se tornar um marketplace, em que cada afro empreendedor terá a sua própria loja virtual dentro do universo BAP.
DESENHANDO O FUTURO: EXPANDIR A ATUAÇÃO E AMPLIAR A REDE DE PARCEIROS
O Painel, que ainda opera em MVP, vem computando um crescimento médio de 138% ao mês de suas principais métricas que incluem o número de participantes ativos, pesquisas respondidas e taxa de resposta, que hoje gira em torno de 35% a 45%. Os próximos passos preveem a ampliação da rede de painelistas e de parceiros para a BAP Store. Para isso, Luanna conta com uma poderosa rede que construiu ao longo dos anos. Do blog Efigênias, que fala sobre cultura negra, ao ecossistema de startups da qual faz parte do programa de mentoria, a Black Rocks. Foi inclusive por meio da Black Rocks que ela reencontrou Adriana Barbosa, da Feira Preta, e recebeu um convite para participar do evento Mulheres Digitais. ¨Tenho um network de afro empreendedores e profissionais que me ajudam a desenvolver minhas ideias e fortalecer esse sistema”, fala.
Entre os objetivos de curto prazo estão aumentar a vida útil do painelista e a taxa de resposta. Algumas de suas apostas são sortear produtos, encurtar o tempo de resgate das recompensar e premiar com pontos os painelistas que indicarem o Painel. Além disso, ela pretende ampliar o seu apoio a iniciativas culturais, como é o caso da peça de teatro É samba na veia, é Candeia: quem se inscrever no Painel BAP através do link exclusivo da peça concorre a um par de ingressos para o espetáculo, e cada inscrição realizada se reverte em apoio financeiro para a realização do espetáculo. Outro exemplo de iniciativa apoiada pelo Painel é o site independente Alma Preta. Vale inclusive conferir a entrevista de Luanna para o portal, que conta um pouco de sua trajetória, aqui.
Expandir a atuação do Painel BAP também está entre seus planos, que já começou a se tornar realidade. Recentemente, em julho deste ano, nasceu outra venture, que faz parte do universo BAP, o B4B (BAP for Business), braço de realização de estudos de mercado. A primeira pesquisa lançada foi sobre empregabilidade da população preta, realizada em parceria com a EmpregueAfro e a Etnus Consultoria e Planejamento. Foi a primeira vez que três startups pretas realizaram um estudo do tipo no Brasil e que foi apresentada no Festival Whow de Inovação. Ainda este mês, outra pesquisa sairá do forno e abordará o tema afrodescendentes e política, com a participação da Universidade Zumbi dos Palmares. E assim Luanna segue firme em seu propósito de vida.