O país que não permite a sobrevivência de candidaturas negras

Enviado por / FonteECOA, por Mariana Belmont

“A história não perdoa os covardes e com o tempo os mentirosos são devorados pela verdade.

Ser livre é um preço caro a ser pago e negar à vida é ser prisioneiro do acaso.

Não tenho futuro, o passado não me pertence e o presente…

Bom, o presente ainda não abri.

Sangue, suor e lágrimas e no final um sorriso largo para disfarçar as cicatrizes de um coração que mais parece um museu de lembranças distorcidas.

Queria que você soubesse, pois se vai caminhar comigo,

isso é tudo que tenho a oferecer.”

Sérgio Vaz é nosso mestre, daqueles enormes. Que sem saber, ou sabendo, nos atravessam pelas palavras que nos cabem, na luta. Vaz é quem nos lembra sobre o caminho e o que tem no caminho, quem está no caminho.

Horas depois do primeiro turno das eleições gerais de 2022, a maioria já tinha uma análise. Eu permaneci sentada na cadeira da cozinha da casa da Bianca olhando meu celular e me atualizando, achando erros e pensando sobre o futuro, era tudo muito nublado.

Otimistas brindavam no Twitter, pessimistas dizem que só perdemos e alguns no meio do caminho achando bom e ruim.

Eu não sei, fiquei sem lugar nessa. Meu corpo ainda está mole. Não só não ganhamos no primeiro turno, como muitas milhares de pessoas ainda acham que Bolsonaro é a saída. Mas saída para onde e por quem?

Ao mesmo tempo Douglas Belchior não entrou, Vilma Reis não entrou e uma lista de lideranças do movimento negro não foram eleitos.

A primeira análise é RACISMO.

Com o resultado da eleição no último domingo, o Senado, principalmente, tornou-se muito mais alinhado ao bolsonarismo e à política de morte contra a população negra. Precisamos nos preparar para uma casa mais violenta e menos receptiva às agendas voltadas para essa população. Uma câmara mais branca, mais militar e mais conservadora.

O Quilombo nos Parlamentos, iniciativa da Coalizão Negra Por Direitos, fez mais de 4 milhões de votos pelo Brasil. A Bancada Indígena, coordenada pela Articulação dos povos indígenas do Brasil, recebeu mais de 500 mil votos.

Erika Hilton eleita. Sônia Guajajara e Célia Xakriabá eleitas. Muitas lideranças foram eleitas para as Assembleias Legislativas nos Estados. É lindo.

Não me cabe fazer análises sobre as lideranças brancas de esquerda que entraram, cada um faça sua análise e se apegue ao pacto que topou enxergar na sociedade com mais de 56% de pessoas negras no país.

Alguns vão me dizer que não é o momento, vão gritar por legitimidade, vão me mostrar currículos e fotos de atos. Não me mostrem, eu prefiro que a gente leia e aprofunde a conversa, leia. Leia Cida Bento “Pacto Da Branquitude” (Companhia das Letras), vai fazer bem perceber para além do espelho que você olha ao escolher seu representante, para aprofundar seu dito antirracismo.

Hoje cedo sentei e comecei a folhear o livro do professor Edson Cardoso, recém lançado, o “Nada os trará de volta” (Companhia das Letras), são os textos e reflexões do professor.

Abri na página 264 e lá uma foto da nossa Benedita da Silva, quando assumiu como governadora do Rio de Janeiro em 2002. Era um texto de 2017 e pesquei um trecho:

“Não sei se alcanço toda a extensão de significados desse ‘estar preparado’. As formas de dominação e os poderes que oprimem o negro no Brasil não se alteraram nesses “dez ou quinze anos”. O Atlas da Violência do Ipea, divulgado no início de julho, para ficarmos num exemplo recente, explícita uma dimensão das relações de guerra que a sociedade brasileira mantém contra o segmento negro. Em outras palavras, o Brasil não está preparado para deixar viver um jovem negro ou uma jovem negra”.

O professor ainda pergunta: “O país que não permite a sobrevivência dos negros de diferentes idades aceita sob que condições uma candidatura negra?”.

Queria encerrar dizendo que todo mundo veio de algum lugar, todo mundo foi formado socialmente a partir de território, de uma casa com ou sem comida, com apoio para estudar, com facilidade para entrar na universidade por causa da dedicação aos estudos e não ao trabalho precarizado para salvar a família. Cada pessoa no mundo pisou em algum chão, de terra ou asfalto, para ser quem é no mundo.

Meu corpo ainda sente o ódio de domingo, a garganta seca e o choro preso. Precisamos vencer com Lula no segundo turno, para quem a fumaça da queimada em todos os biomas pare de circular pelo país, pela vida de mais de 700 mil pessoas mortas por negligência e pelas 33 milhões de pessoas em situação grave de fome no Brasil.

E no futuro bem próximo precisamos falar sobre o que é realmente ser antirracista em um país com a maioria branca no Congresso Nacional.

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