O problema das “desnecesáreas”

Ao contrário do que muita gente acredita, a cesariana é menos segura que o parto vaginal

 

(Créditos: Shutterstock)

 

Raquel Torres

do Rio de Janeiro

Da revista Poli – Saúde, Educação e Trabalho

Ao perceber a preocupação do Ministério da Saúde e da OMS com altos índices de cesarianas, talvez você se pergunte: mas, afinal, que mal há nisso? Bom, ao contrário do que muita gente acredita, a cesariana é menos segura que o parto vaginal. Segundo a obstetra Carla Polido, professora na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em gestações de baixo risco, mulheres que passam pela cesárea têm três vezes mais chances de morte e seis vezes mais chances de complicações graves no pós-parto. Além disso, os bebês têm no mínimo duas vezes e meia mais chances de morrer.

Para a também obstetra Vera Fonseca, conselheira do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), e ex-membro da Comissão de Parto Normal do Conselho Federal de Medicina (CFM), uma das razões para o aumento do número de cesáreas é financeira, especialmente no setor privado.

“Sabemos que um trabalho de parto pode levar mais de 12 horas. Em geral, os planos pagam R$ 300, R$ 400 ou até menos para o médico acompanhar um parto, enquanto, na cesárea, ele ganha praticamente o mesmo valor para no máximo duas horas de trabalho”, reconhece. Carla Polido acredita que outro fator pode ajudar a explicar o boom de cesarianas nos planos de saúde: a ausência de uma regulação efetiva por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Não há medidas para coibir o excesso de cesáreas. Não há fiscalização, não são feitas auditorias de parto para compreender as indicações da cirurgia, não são exigidas justificativas”, critica. Além disso, ela afirma ser complicada a noção de que cada mulher deve ter o ‘seu’ obstetra. “Uma gestante normalmente terá seu bebê entre as 37 e as 42 semanas de gravidez. Se o médico tem quatro gestantes por mês – e, normalmente, há muito mais que isso –, não tem um fim de semana em que pode tomar uma cerveja, viajar, porque qualquer uma delas pode entrar em trabalho de parto. E o médico é um ser humano: come, dorme, viaja, tem família. É claro que, mesmo sendo uma conduta errada, ele vai acabar tentando acomodar o parto dentro de sua própria agenda”, reflete. Para ela, tanto o SUS como a saúde suplementar deveriam disponibilizar sempre equipes de plantão para atendimento, baseando o cuidado ao parto em profissionais à disposição 24 horas por dia, e não apenas naquele que fez o pré-natal.

Como dar conta disso?

Segundo a obstetra Carmen Diniz, em sua tese de doutorado Humanização: os muitos sentidos de um movimento, o uso “irracional” da tecnologia no parto impede muitos países de reduzir a morbimortalidade materna e perinatal. Ela conta que, em 1979, um Comitê europeu criado para estudar maneiras de reduzir essas taxas no continente concluiu que o aumento das intervenções gerava mais custos sem melhorar em nada os resultados. A partir daí, iniciaram-se os estudos da medicina baseada em evidências, propondo que por trás de toda prática médica deve haver respaldo científico – o que nem sempre acontece.

Em paralelo a isso, surgiu um movimento internacional com o objetivo de “priorizar a tecnologia apropriada, a qualidade da interação entre parturiente e seus cuidadores e a desincorporação de tecnologia danosa”. Com nomenclaturas distintas ao redor do mundo, é este o movimento que no Brasil ficou conhecido como ‘humanização do parto’. E, para muitos especialistas, essa é a saída para melhorar os indicadores gerais do país nessa área. Melania Amorim, também obstetra e professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), revela que passou por um longo “movimento interno” até incorporar definitivamente a medicina baseada em evidências e as práticas da humanização.

“Tive uma formação intervencionista, como a maioria dos colegas. Quando entrei no mestrado, comecei a estudar profundamente práticas que vinha exercendo há muito tempo. Precisei ‘sair’ um pouco da medicina e estudar antropologia e filosofia para entender isso”, conta. Um procedimento desnecessário, emblemático para Melania – e que ela própria realizava no passado – é a episiotomia, conhecida popularmente como ‘pique’. Trata-se de um corte feito no períneo da mulher para, teoricamente, facilitar a saída do bebê e evitar lacerações naturais nos genitais da mãe.

Hoje, a intervenção é realizada rotineiramente na maior parte das maternidades brasileiras. “Fui estudar como esse procedimento surgiu e me assustei ao descobrir que ele nasceu de forma arbitrária, sem nenhuma evidência de que fosse efetivo, e passou a ser difundido no século 20 com base na crença de que nosso corpo é essencialmente defeituoso e há a obrigatoriedade da intervenção”, aponta.

Fonte: Brasil de Fato

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