Mais um fim de semana se passou no Brasil. Mais gente preta morreu. Seja de Covid-19 ou por violência urbana, para citar duas mazelas que matam duas vezes mais pretos do que brancos.
Também, nas comunidades pobres, lugar que o livre mercado designou para viverem descendentes de escravos, gente preta se reuniu para beber a sua cerveja, comer o seu churrasco, linguicinha esturricada na brasa.
Gente preta reunida para comer e beber veneno. Algo que nos mata tanto quanto a Covid e a violência policial. Produtos hiper-industrializados e hiper-embutidos são baratos. São os únicos que estão ao alcance do bolso da maioria dos brasileiros. E, assim, vão todos morrendo. Simplesmente porque interessa. Dá dinheiro. Como as queimadas na amazônia. A diferença: Queima de gente preta pelo estômago.
Racismo ambiental. Thallita Flor, uma das fundadoras do MAV – Movimento Afro Vegano, explica, em artigo para o Quadro-negro, o que é seu impacto em vidas negras.
Nutricídio e racismo ambiental – Por Thallita Flor
Pra entender o que é o racismo ambiental, primeiro precisamos entender o que é o epistemicídio da população negra.
A filósofa Sueli Carneiro, descreve, em sua tese de doutorado, publicada em 2005 pela Universidade de São Paulo (USP), que:
“O epistemicídio se configura pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos epistemicídio”.
Os nossos saberes são apagados constantemente da história, fazendo-nos acreditar que não temos contribuição e tecnologia para suprir os problemas da humanidade. O epistemicídio é tão devastador que não reconhecemos as tecnologias ancestrais que já temos pra resolver os problemas ambientais.
Meio ambiente é um assunto pouco falado entre negros, porque fomos habituados a pensar que cuidar do planeta é coisa de gente branca e chata.
Para a grande maioria dos negros, principalmente os que se dizem politizados, essa luta é coisa de branco, porque preto e pobre não tem tempo pra “isso”.
De fato, temos muitos problemas pra resolver, como nossos jovens assassinados a cada 23 minutos no país. Mas, ser um corpo vulnerável ao Estado e morrer só pelo fato de ser preto, vai além da polícia.
O nutricídio, por exemplo, é uma forma eficaz do Estado matar a população periférica maioria negra.
Através da alimentação.
E o que comemos, está diretamente ligado ao meio ambiente.
Esse sistema de genocídio se constitui de diversas formas, seja barateando produtos industrializados e encarecendo os legumes e as frutas, como também criando desertos alimentares ou ofertando alimentos de origem animal ultra processados.
Ao invés de defender a utilização desse alimentos ultra processados só por sermos pobres, devemos mostrar ao nosso povo os grãos de feijão que são suficientes para nos nutrir.
Não é sobre querer ser impositivo com alguém que consome por falta de opção, é sobre o discurso que fazemos do que é melhor para nossa população quando podem minimamente escolher.
Mesmo com todas essas informações, muitas pessoas (conscientes de seus atos) esnobam a importância de uma alimentação de origem vegetal e a luta antiespecista, que são tecnologias que as comunidades quilombola e indígena sempre tiveram.
O movimento vegano, por exemplo, de fato foi fundado na Europa por um homem branco, mas a tecnologia principal em que esse movimento se apoia é uma ferramenta ancestral do povo africano e indígena (conexão e respeito com a natureza).
O veganismo surgiu na tentativa de combater o processo de exploração que a própria comunidade branca criou pelo sistema capitalista. Entretanto, ainda que esse movimento tenha sido criado para resolver problemas gerados pela própria sociedade branca, nós não podemos nos isentar da responsabilidade do que acontece no planeta. E é nossa função, enquanto pesquisadores, estudiosos ou ativistas, sinalizar que a tecnologia pra resolver isso, nós já temos.
O racismo ambiental é todo um sistema criado pra nos excluir, e nos prejudicar sistematicamente. Pois além de não reconhecermos nosso poder pra resolver o impactos ambientais, somos a comunidade mais prejudicada pelas suas consequências.
O Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr quando criou esse termo na década de 80, definiu racismo ambiental como:
“Discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.”
Chavis revelou estatisticamente a correlação entre raça e localização de resíduos tóxicos nos Estados Unidos. Ou seja, podemos dizer, que a população mais prejudicada pelos impactos ambientais é a negra, e segundo estudos que revelam a piora de condições climáticas daqui a alguns anos, a população mais pobre é a que mais será afetada com todas as consequências sociais que isso irá gerar.
Thallita Flor é autora do blog Meu Corpo Negro