O que os povos de terreiros têm a ver com o debate de soberania?

Nós, negras e negros que vivemos de forma mais violenta as consequências do capitalismo e de seu filho dileto – o racismo, não podemos nos calar diante da entrega da produção de alimentos saudáveis para a indústria de alimentos transgênicos, que destroem nossa saúde e nos matam. Não podemos deixar de denunciar esse projeto, esse governo, que não considera a vida, a soberania alimentar, nem respeita a natureza que nos assegura a vida em sua plenitude.

Por Makota Célia Gonçalves Souza, do Brasil de Fato

“O Estado não pode privatizar a vida, não pode nos privar do direito à cidadania e dignidade” (Foto: Toninho Oliveir/Prefeitura de Campinas)

 

Para nós a natureza é vida, a água é vida, o solo é vida

Por isso, temos urgência em nos posicionar radicalmente contra toda e qualquer tentativa de privatização, de desmantelamento das políticas sociais, de escolha do capital e do mercado em detrimento à vida… Contra a entrega de nosso solo a empresas assassinas, que substituem a vida pela produção de minério, degradando o solo e destruindo famílias e comunidades, ceifando vidas em nome do lucro.

O Estado ausente e omisso é assassino nato de sonhos, de direitos e de vidas. Pois alimenta o ódio, apregoa o desprezo e se omite de sua principal função: proteger e garantir dignidade às suas cidadãs e seus cidadãos. O Estado não pode privatizar a vida, não pode nos privar do direito à cidadania e dignidade.

Quero reafirmar que nós, negras e negros e povos de terreiro, compreendemos a vida em plenitude, com suas complexidades e completudes, e nesta compreensão não há espaço para o privado, o isolado, o ignorado. Para nós a natureza é vida, a água é vida, o solo é vida. E esses devem ser partilhados, coletivizados para que todas e todos tenham acesso a uma vida digna e cidadã. Defendemos a posse da terra para quem nela vive, trabalha e dela tira o sustento. O pão deve ser de qualidade e partilhado para todas e todos e o trabalho um direito e uma possiblidade de vida e transformação.

A sanha fascista, privatista, racista, homofóbica e machista nega tudo isso, pois tem o mercado, o capital e a exploração do outro como princípio. A prepotência toma o lugar da racionalidade e do respeito.

Defender a soberania nacional e popular é defender a democracia, um Estado forte e compreensivo para com sua diversidade. E acreditar que só a organização popular, a resistência e mobilização social são garantias da transformação social. Não podemos nos calar e omitir quando nosso país é tomado de assalto por uma crescente onda de ódio, de racismo, machismo, homofobia, etc. É preciso ousar questionar, criticar, mudar e transformar.

Estamos vivendo esta situação porque temos um sistema político que é reflexo e propulsor das desigualdades. Olhamos os espaços de poder e não vemos o povo negro, mulheres, trabalhadores e trabalhadoras. As classes populares não estão nestes espaços. Por isso é urgente criar um novo sistema político onde caibam todos e todas. Precisamos ter um parlamento não apenas como a casa do povo, mas sim o povo ser o parlamento. Para isso, só com um sistema alicerçado no poder popular.

E tenho certeza de que juntas e juntos podemos vislumbrar nosso país como um lugar onde a vida tem preferência, reverência e vale a pena. Um país com novos sistemas sociais, onde democracia seja uma realidade, liberdade um direito e a equidade um fato. Um país onde a natureza seja um complexo de garantia de vida e não um quadro de natureza morta, onde a lama seja apenas uma mistura inofensiva de água e barro e não mar a lamber a vida, os sonhos e as expectativas em nome do lucro que mata.

+ sobre o tema

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...

para lembrar

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...
spot_imgspot_img

Feira do Livro Periférico 2025 acontece no Sesc Consolação com programação gratuita e diversa

A literatura das bordas e favelas toma o centro da cidade. De 03 a 07 de setembro de 2025, o Sesc Consolação recebe a Feira do Livro Periférico,...

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros ou que tenham protagonistas negros é a proposta da OJU-Roda Sesc de Cinemas Negros, que chega...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o Brasil teria abolido a escravidão oito anos antes da Lei Áurea, de 13 de maio de...