O racismo anda por aí, sempre andou, em gestos e em discursos do dia a dia

Um crime na vida, um crime na lei

no Esquerda.Net

Não, não é apenas uma ‘anormalidade’ que uns quaisquer ‘desvairados’ exibem num momento de irracionalidade. Não, o racismo anda por aí, sempre andou, em gestos e em discursos do dia a dia. Gestos e discursos que são política e que são cultura. O racismo é o que se respira no derrube das casas (?) de gente pobre da Amadora ou o que se ouve no insulto público no estádio de futebol. O racismo é o que continua a marcar o quotidiano de esquadras de polícia ou o que se exprime no não arrendamento de uma casa a alguém por causa da cor da sua pela. O racismo é o que se absorve em representações que não foram banidas de manuais escolares ou o que se mostra no impedimento de acesso a lugares públicos a “gente de cor”.

Há, pois, um ponto de partida sem o qual será a hipocrisia dos supostos brandos costumes e do efabulado excecionalismo intercultural e transracial português que campeará. Esse ponto de partida é o reconhecimento de que o racismo é uma realidade indesmentível e não residual em Portugal.

Até agora, a estratégia do Estado face a isto tem sido a de aplicar coimas à generalidade das práticas de discriminação racial. Processos morosos e burocratizados, pelo meio dos quais se vai perdendo o sentido da violência que foi perpetrada por palavras ou por atos. Processos que exigem das vítimas uma exposição que não querem ter e que não lhes asseguram diretamente as indemnizações a que devem ter direito.

Por tudo isto, um Estado que se leva a sério e que leva a sério a tarefa de combater o racismo e as discriminações que lhe dão voz não pode deixar de dar reprovação jurídica máxima ao que merece reprovação social máxima. E isso tem um nome: crime. Se há área da vida social em que é mais indiscutível o desvalor das práticas de discriminação é precisamente a que se refere à diversidade de ascendências ou origens étnicas. Criminalizar as expressões de racismo que se abatem diretamente sobre pessoas concretas não tem, pois, nada de obsessivo. O Código Penal não é um fetiche nem uma panaceia. Mas tem que ser um instrumento de defesa dos direitos humanos e disso não se pode prescindir para combater estas discriminações alarves. Se estas práticas mais abjetas de discriminação racial não constituírem crimes, é toda a tarefa de combate ao racismo que resultará diminuída.

A anormalidade do racismo é mais normal do que gostamos de dizer que é. É essa normalidade do anormal que se impõe travar política, cultural e legalmente. Para as tantas vítimas, o racismo é um crime contra as suas vidas. Porque é que se teima em não dar a devida expressão a isto na lei?

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