O racismo no DNA do Brasil

O sequenciamento é evidência genética do histórico de abuso e violência sexual sofrido por mulheres pretas

A jornalista Ana Cristina Rosa é Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) - Foto: Keiny Andrade/Folhapress

O fato de o Brasil ser a nação mais miscigenada do mundo serve de prova científica do grau de perversidade do racismo institucionalizado nessas terras. Publicada na semana passada numa das revistas científicas mais prestigiadas do planeta, a Science, pesquisa do projeto DNA do Brasil (USP/Ministério da Saúde) mapeou 18 perfis genéticos e apontou que a ancestralidade brasileira é 60% europeia, 27% africana e 13% indígena.

A maioria (71%) dos genes masculinos que compõem o DNA do brasileiro é originária de homens europeus. Em contrapartida, a maioria (77%) dos genes femininos provém de africanas ou indígenas.

Para além dos avanços em termos de prevenção e diagnóstico futuro de doenças (coisa que pode revolucionar o sistema de saúde), o sequenciamento é evidência genética do histórico de abuso e violência sexual sofrido por mulheres pretas, pardas e indígenas em solo nacional.

Catarina Pignato

Comecei a rogar com todas as forças para que o projeto DNA do Brasil sirva de instrumento eficiente e eficaz no enfrentamento ao racismo, e enterre de vez qualquer resquício de veracidade ainda atribuído à tese estapafúrdia de superioridade racial eurocêntrica. Mas receio que os dados possam ser usados para reforçar ataques contra as necessárias ações afirmativas em prol da equidade étnico-racial.

Verdade que 99,9% da estrutura do DNA de todos é idêntica, mas isso só nos torna iguais por dentro. Por fora, como se sabe, o mero 0,1% que nos distingue fisicamente tem servido para determinar as péssimas condições de vida impostas há séculos a milhões de brasileiros negros.

Não é novidade nem segredo que traços da ascendência africana (o fenótipo) impulsionam um ciclo de carências múltiplas (econômica, educacional, cultural, habitacional, sanitária…) que mantém gerações de negros aprisionados numa espécie de looping “quase perpétuo” de hipossuficiência. É trágico, mas o racismo estruturou até as moléculas do DNA do povo mais miscigenado da Terra.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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