O racismo tinha o silêncio como resposta e hoje tem aplausos, diz MV Bill

Em entrevista exclusiva, o rapper falou sobre a música e o clipe de “Vírus”, o futuro da sua carreira musical e sobre o papel crucial do rap nos dias atuais

Por Igor Brunald, Do Rolling Stone 

MV Bill- homem negro, vestindo moletom vermelho com o gorro do moletom na cabeça- sentado de braços cruzados e dando um ligeiro sorriso.
MV Bill (Foto:Carlo Locatelli)

Se você achava que o Brasil passaria por tempos de tumulto político como esse em que temos vivido, e o MV Bill não daria as caras para se posicionar e dizer umas verdades, achou muito errado.

Nesta segunda, 13, o rapper lançou, com exclusividade pela Rolling Stone Brasil, o clipe de “Vírus“. O single, divulgado no último dia 11, e o vídeo que agora o acompanha, se apresentam sem medo na linha de frente, prontos para o confronto e com objetivos bem definidos.

A mira desses novos versos está apontada diretamente para o racismo, e cada estrofe é cantada, em seu característico e distinto tom grave, com a convicção e determinação de quem vai escrever sobre esse assunto incansavelmente e quantas vezes for necessário.

Complementada com exatidão por um clipe que traz elementos de humor ácido a um assunto crítico, “Vírus” chega como um hino obrigatoriamente afrontoso: “É bom se acostumar/ Com gente preta em todo lugar”, profetiza o refrão.

Em entrevista exclusiva à Roling Stone Brasil, o veterano das rimas refletiu sobre o papel do rapper nesses casos de crise nacional e tempos de turbulência nos quais o preconceito baseado na cor da pele e na classe social parece se tornar cada vez mais explícito.

E sem tem uma coisa que fica clara, é a necessidade de combate. E por combate, eu digo diálogos, discussões e a exposição de tudo que precisa ser escancarado e trazido à tona.

Autor de “Soldado do Morro“, MV Bill relembrou de quando foi investigado por apologia ao crime por causa da música de 1999. Pensando em como seria lançar essa mesma canção nos dias de hoje ele admite, com um calma atípica para quem acabou de cutucar um vespeiro com “Vírus”, ter certeza que, pela forma como as pessoas têm se manifestado, “eu seria preso e talvez até morto”. “E com o aval da sociedade”, acrescentou.

Atos de racismo “tinham o silêncio como resposta. Hoje eles tem aplausos, o que é pior”, completou.

Apesar de saber que o rap sempre terá uma ramificação mais voltada apenas ao entretenimento, ele acredita que no Brasil, o gênero sempre vai contar também com uma vertente questionadora muito forte. E é desse lado da divisão que ele se posiciona, de maneira inabalada.

“Em momentos de indignação, esse som vai estar lá presente”, garantiu o músico nascido na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Isso é, ao mesmo tempo, uma mão estendida para aqueles que estão no chão, cansados de apanhar na luta diária proporcionada por um país assolado pela desigualdade, e também um lembrete de que existem muitos outros dispostos a lutar lado a lado, afinal, “de 10 moleques que vêm falar comigo e pedir pra tirar uma foto, 6 são MCs”.

A chegada de um assunto leve traz consigo uma mudança também no tom da fala de MV Bill (que é incomparavelmente mais suave do que quando está com o microfone na mão). Sua carreira e sua posição conquistada no mundo da música não estão apenas firmes e fortes: nunca estiveram tão promissoras.

Hoje um artista independente livre de contratos sufocantes de gravadoras, ele olha para a estrada que já percorreu, e depois para a que tem à sua frente, e afirma sem qualquer indício de dúvida: “Estou na minha melhor fase”.

De olho no futuro, o rapper se mostra determinado a defender tudo o que construiu até hoje, sem medo de trabalho duro ou de enfrentar dificuldades. “O meu plano para esse ano é lançar uma música com um clipe por mês. Tem artista assinado com gravadora que não consegue fazer isso”.

Além de músicas autorais, ele reserva uma parte do tempo que tem para trabalhar com artistas da nova geração, ressaltando a importância de se aliar aos MCs que têm ganhado espaço na cena do rap.

Recentemente, ele fez uma participação na faixa “Ninguém“, do disco Podium, lançado pelo rapper carioca L7nnon. Sobre os ascendentes do gênero, ele afirma que a paisagem é bem similar à de antigamente: “tem coisa ruim para caralho, e algumas coisas boas”.

Como exemplo de bons expoentes, cita, além de L7nnon, a rapper Stefanie, e ADL, com quem gravou a faixa “Tiro na Cara“.

Assista abaixo ao clipe de “Vírus“. A música já está disponível também nas plataformas de streaming.

+ sobre o tema

Homem preso por reconhecimento fotográfico em foto 3×4 antiga deixa a cadeia no Rio

O motorista de aplicativos e montador de móveis Jeferson Pereira...

Cinco mulheres quilombolas foram mortas desde caso Mãe Bernadete, diz pesquisa

Cinco mulheres quilombolas foram mortas no Brasil desde o assassinato...

Os 10 comerciais mais preconceituosos dos últimos meses

A série de desastres produzidos pela publicidade brasileira inclui,...

para lembrar

Criminoso nazista mais procurado do mundo é encontrado em Budapeste

Laszlo Csatary, 97 anos, é apontado como cúmplice na...

Invisível mais que visível

Por  Alexandre Tarlei Ferreira, enviado para o Portal Geledés  Nesses dias...
spot_imgspot_img

Mães de vítimas denunciam assassinatos em Conselho da ONU

"Meu filho tinha 16 anos quando foi tirado de casa por 23 policiais militares no estado da Bahia, Brasil, em outubro de 2014", disse...

SP: Condomínio é condenado após mandar homem negro para entrada de serviço

O condomínio de alto padrão Quinta do Golfe Jardins, em São José do Rio Preto (SP), foi condenado a indenizar um homem negro em...

Três policiais são considerados culpados no caso de espancamento e morte de homem negro nos EUA

Três policiais acusados ​​de espancar o jovem afro-americano Tire Nichols, em 2023, foram considerados culpados por um tribunal federal, nessa quinta-feira, por manipulação de...
-+=