por Fernanda Pompeu
Na minha cabeça, sempre acende a luz amarela quando leio que aluno virou cliente, cidadão virou consumidor, leitor virou patrão. Isso porque, aluno nem sempre tem razão, cidadão mesmo sem renda é cidadão, leitor é também operário.
Para um texto dar certo é preciso que duas vontades se encontrem e conversem. A força do escritor que fez o melhor possível para traduzir emoções em palavras. O esforço do leitor que se alfabetizou para perceber emoções nas palavras.
Quero dizer, leitor ótimo é aquele que labuta. Aquele que lê a frase duas vezes quando não a entende. Que ao desconhecer uma palavra, clica no dicionário eletrônico. Que quando gosta muito do texto, generosamente indica para um amigo, ou compartilha na rede social.
O escritor Evandro Affonso Ferreira (Araxá, MG, 1945), em recente entrevista à jornalista Márcia Abos, desabafou: “Quando escrevo dou o máximo de mim. Nem sempre o leitor faz o mesmo. Para escrever um livro, leio muito. Eu me dedico. Logo, o leitor também tem que ser dedicado”. Bingo!
Eu não me tornei uma leitora por obra do espírito santo, nem graças à internet. Suei olhos e neurônios para passar de textos básicos aos complexos. Do slogan ao parágrafo. Da notícia curta ao romance. Com toda certeza, ainda não tenho diploma de leitora. Pois trata-se de uma graduação de vida inteira.
Mas por que um leitor deve trabalhar? Afinal ele e ela já dão duro como doutor, manicure, estudante, nutricionista, técnico, operadora de telemarketing. Minha aposta é que o leitor esforçado tem como recompensa o prazer do texto. Isto é, ele aumenta sua taxa de deleite.
O prazer é a primeira razão de qualquer leitura não obrigatória – essa que é a mais deliciosa entre todas. Textos são escritos para sonhar, ensinar e aprender, convencer e vender, provocar. O leitor esforçado não é mesquinho e nem bondoso com os escritores. Ele aprendeu a discernir. Rejeita quando o querem enganar. Adora quando o querem encantar.
O leitor que trabalha a leitura do texto é um justo. Será capaz de criticar o ruim e elogiar o bom. Não atira confetes nem bordoadas nos seus comentários. Por fim, trata-se de um sujeito insistente. Farejador, não desiste fácil. Sua mente sempre quer mais.
Imagem: Régine Ferrandis
Fonte: Yahoo!